O Brasil tem avançado na criação de instrumentos relacionados ao acesso à participação, à informação e à justiça nas questões ambientais. A existência de conselhos de meio ambiente, a aprovação da lei de acesso à informação e a criação de promotorias especializadas são alguns exemplos de avanços legais, políticos e institucionais, que buscam a efetivação da democracia ambiental em nosso país.
Apesar disso, ainda são frequentes os processos decisórios sobre projetos, políticas, obras de infraestrutura, entre outros, sem a efetiva transparência e participação da sociedade, ou sem contar com o efetivo acesso à justiça e o cumprimento da legislação ambiental. Tais lacunas resultam em processos de tomadas de decisões que causam conflitos e injustiças ambientais, afetando a qualidade ambiental e a população, em especial, os grupos mais vulneráveis.
Fica, assim, evidente a necessidade de novas ações e estratégias que permitam o aprofundamento democrático e que consolidem e coloquem em prática os instrumentos já previstos no quadro legal e institucional brasileiro, mas que ainda não foram satisfatoriamente implementados. Um novo impulso em relação à democracia ambiental pode ser dado no Brasil e na região com a construção de um acordo entre os governos da América Latina e do Caribe.
Atualmente, 18 países, incluindo o Brasil, assinam declaração conjunta, elaborada durante a Rio + 20, com o objetivo de construir um acordo regional para implementar o Princípio 10 e aprofundar a troca de experiências sobre o tema.
O Princípio 10 é parte da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, documento final da ECO92, e define o compromisso dos governos em garantirem o acesso à participação, à informação e à justiça nas questões ambientais. Trata-se do mais relevante marco que define a importância e a interrelação entre democracia e sustentabilidade ambiental.
Além de avanços em nível nacional e em governos locais e regionais, o Principio 10 já inspirou diferentes iniciativas e acordos internacionais, com destaque para as Diretrizes de Bali, documento aprovado pela ONU com orientações para a elaboração de legislação nacional sobre o tema, e a Convenção de Aarhus, entre os países da Europa.
O processo de construção do acordo regional conta com o apoio da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) e tem avançado desde seu lançamento há dois anos. Já foram realizados encontros específicos e aprovados documentos com consensos sobre os desafios comuns e o caminho a ser trilhado para a construção de um acordo regional. O processo está em um momento de tomada de decisões importantes, o que inclui os temas que farão parte do acordo e a natureza do mesmo.
Com o objetivo de difundir o processo, que ainda segue pouco conhecido pelos cidadãos e pelas organizações da sociedade civil brasileira, nós do Imaflora, a ONG Artigo 19 e outros parceiros, temos facilitado encontros presenciais e virtuais sobre o tema.
Como resultado foram elaboradas duas cartas, uma para a Cepal e outra para o governo brasileiro, com propostas e posicionamentos. Os documentos foram assinados por 26 entidades, dentre organizações ambientalistas, fundações, redes, organizações de promoção de transparência e acesso à informação e entidades de advogados e promotores da área ambiental. Uma das questões apontadas é a posição favorável e um acordo vinculante, ou seja, que obrigue os Estados signatários a cumprirem as diretrizes e as ações que serão definidas.
Essa compreensão é compartilhada por diferentes organizações sociais da América Latina, mas ainda não é consenso entre os governos, incluindo o governo brasileiro, que não apresentou posição sobre o assunto até o momento.
A carta enviada ao governo brasileiro sugere ações para que o processo de construção do acordo seja mais difundido e que existam canais de participação na definição das posições do Brasil sobre o tema, o que até agora não vem ocorrendo na intensidade necessária.
Em suma, a construção de um entendimento regional sobre o Princípio 10 pode significar um importante avanço para uma governança ambiental efetivamente transparente, participativa e com garantia de direitos. Dada a relação intrínseca entre democracia e conservação ambiental, tal evolução colocará o Brasil e os demais países da região em um rumo mais sustentabilidade e a justiça ambiental. Trata-se de uma oportunidade que não podemos perder.
*Renato Morgado é Coordenador de Projetos do Imaflora. (O artigo foi publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 07/10/2014)
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