03 de outubro de 2014
Roberto Smeraldi*
Apesar do protagonismo de Marina Silva na campanha presidencial – e da presença no páreo de um respeitado candidato do Partido Verde, o ex-deputado e ex-secretário de meio ambiente de São Paulo Eduardo Jorge – os temas ambientais ficaram paradoxalmente ausentes no debate eleitoral até o momento. Aparentemente, a campanha de Marina entendeu que sua candidata precisaria ganhar credibilidade entre os eleitores sobre outros temas e buscou se afastar do eventual estigma redutivo de candidata ambientalista. Por outro lado a presidente, que não mediu esforços para atingir a imagem da rival, não utilizou sua atuação como ministra do meio ambiente para criticá-la, possivelmente para não gerar um eventual fogo amigo contra o governo do presidente Lula. Mas nem sequer Aécio, que não enfrentaria em tese esta restrição, tocou nessa tecla.
Porém o tema “mudanças climáticas” se tornou finalmente objeto de troca de farpas no último debate, não por escolha dos candidatos e sim porque a Globo o incluiu entre aqueles prioritários para serem discutidos. E foram Aécio e Dilma os que tiveram de se manifestar a respeito. Vamos procurar entender o que disseram e a procedência dos argumentos utilizados.
A presidente Dilma iniciou destacando o compromisso de redução de emissão para 2020 assumido pelo Brasil e a redução “sistemática” do desmatamento. Talvez se deva aqui corrigir o uso do adjetivo sistemático, pois na realidade ao longo dos últimos anos houve uma substancial estabilização nas taxas, após uma expressiva redução no segundo governo Lula. E também deve se observar que Dilma deixou de esclarecer que a redução é apenas relativa à Amazônia (pois nos demais biomas não foi registrada a mesma redução). Mas, considerando a exiguidade do tempo disponível, a introdução da presidente pode ser considerada correta em geral.
Aécio partiu imediatamente para o ataque, afirmando que a gestão da presidente se caracterizou por ir na contramão da sustentabilidade, ao ser marcada por uma política de subsídios aos combustíveis fósseis. Esta afirmação é correta e é legítimo, de fato, associar o governo Dilma a um forte subsídio para os combustíveis fósseis. Aécio não tem um histórico explícito de contrariedade a tais subsídios, como parlamentar, mas é verdade que ao longo de 2014, antes mesmo da campanha, tem insistido na necessidade de removê-los.
Em seguida, Aécio criticou o atraso da presidente em regulamentar e viabilizar o Cadastro Ambiental Rural, a principal novidade introduzida pelo Código Florestal. Destacou a expressiva demora na regulamentação da norma (corretamente), porém afirmando que se tratou de lentidão na condução de referida regulamentação “no Congresso” e responsabilizando para tanto “a base governista”. Como parlamentar, Aécio deveria saber que a regulamentação era uma prerrogativa apenas do Executivo (o que teria até tornado sua crítica mais contundente). Além disso, deveria saber que quem se opõe no Congresso à implementação do código é parte da bancada ruralista (e não da base governista), incluindo assim parlamentares de seu próprio partido.
Aécio passou a afirmar a necessidade de mudança na matriz energética (uma correta preocupação de cunho estratégico), buscando mostrar como o governo tenha falhado nessa tarefa, ao desprezar a energia eólica (e não providenciar sua ligação à rede) assim como desperdiçar o potencial da biomassa, que nas palavras dele “equivale a uma Belo Monte”. O candidato tucano se mostrou bem informado neste quesito e foi até conservador, pois o potencial inutilizado da biomassa é até bem superior à geração efetiva potencial de Belo Monte. E finalmente, lembrou da necessidade de enfrentar o desmatamento que “voltou a crescer” nos anos do atual governo.
Em resposta, a presidente acusou o candidato Aécio de falta de “familiaridade” com o Cadastro Ambiental Rural, pois o prazo para o cadastro já está em andamento e a regulamentação já foi feita. Aqui a presidente foi correta na informação, mas deixou de responder à crítica do candidato sobre a demora. Depois Dilma passou a afirmar que 79% da matriz elétrica seria “ambientalmente correta e sustentável”: é difícil entender de onde possa vir este dado. Mesmo que Dilma considerasse nesta categoria toda a geração hidroelétrica (o que obviamente seria incorreto), estaríamos longe desta porcentagem. Aqui houve claramente um deslize. E em seguida veio uma afirmação incompreensível, talvez por conta do tempo que estava apertando e que impediu à candidata petista explicar o que desejava dizer: aquela pela qual o “Brasil reduz por ano 650 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalentes”. Reduz em relação ao que? Se o Brasil reduzisse este valor por ano, em três anos teria emissões negativas. Não está claro se a presidente queria talvez mencionar as reduções do passado devidas à diminuição na taxa de desmatamento, que poderiam estar num patamar semelhante àquele citado.
Foi a vez de Aécio esclarecer que a crítica anterior sobre CAR se referia ao atraso de dois anos na regulamentação, mesmo que agora isso já tenha ocorrido. E voltou a insistir no fato que o governo atual esteja “sujando a matriz” a partir dos fósseis, por ter aumentado de 22% para 30% a participação das termoelétricas na matriz (este dado é próximo da realidade). Encerrou opinando que este é um exemplo da improvisação e falta de planejamento que caracterizaria o governo de Dilma.
Deve-se registrar que em outro momento do debate, quando Dilma creditou a seu governo a destinação dos royalties do pré-sal para a educação, o candidato Eduardo Jorge a criticou ressaltando que se trata de um benefício “que entra pela porta e sai pela janela”, pois ao mesmo tempo em que melhora a educação acaba gerando custos de saúde e ambientais, e que a forma sustentável de financiar a educação seria a partir de fontes permanentes orçamentárias e não de royalties.
Em geral, pode se concluir que a maneira em que os candidatos enfrentam o tema reflete hoje uma percepção de que – assim como em outros setores como educação ou saúde – quem faz mais é melhor. Isso representa uma mudança em relação ao passado recente, em que fazer mais sobre temas ambientais era considerada, eleitoralmente, uma faca de dois gumes, pois poderia prejudicar a imagem de realizador na área econômica do candidato. Hoje Dilma claramente se orgulha dos seus feitos, e até os destaca além do que poderia, enquanto Aécio a critica por fazer pouco, por fazer demoradamente e, principalmente, por contradizer sua política ambiental a partir de outras políticas, o que é uma novidade nos debates presidenciais. Provavelmente, se houver segundo turno devemos ouvir mais a respeito.
* Roberto Smeraldi , 54, jornalista, é diretor da OSCIP Amigos da Terra – Amazônia Brasileira
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