07 de abril de 2014
Por Roberto Resende*
Mesmo com a atual crise da água e energia a importância de políticas apropriadas para o manejo adequado dos recursos naturais, a começar da conservação e recomposição florestal, ainda não está clara para diversos setores da sociedade, a começar de parte dos legisladores estaduais.
Recentemente deputados de seis partidos (todos da base do governo estadual) apresentaram na Assembleia Legislativa de São Paulo o Projeto de Lei (PL) nº 219, que dispõe sobre o Programa de Regularização Ambiental das propriedades e imóveis rurais. Na prática essa é a regulamentação estadual da nova Lei Florestal, a 12.651/12, que substituiu o Código Florestal.
É bom lembrar que, após um longo debate, esta Lei foi aprovada, tendo sido considerado como sua principal vantagem a segurança jurídica e a definição de regras para as situações consolidadas em desacordo com as diversas versões do Código Florestal. Para isso os dois principais mecanismos previstos são o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Programa de Regularização Ambiental (PRA). O CAR seria como a declaração do Imposto de Renda, onde é descrita situação do imóvel perante os pontos da Lei, como as Áreas de Preservação Permanente (APPs), de Reserva Legal e de uso restrito e a situação da vegetação. O PRA é o passo seguinte, definindo as condições para a adequação destas áreas protegidas e das de uso consolidado. Este Programa deve abranger, além do CAR, termos de compromisso e projetos de recomposição de áreas degradadas e alteradas que necessitem ser recompostas. Também inclui os mecanismos para compensação de Reservas Legais, como a servidão ambiental e as Cotas de Reserva Ambiental.
Esta Lei prevê um papel importante para os Estados, na regulamentação de diversos pontos e como principal instância para cumprir e fazer as normas. Principalmente no caso dos Programas de Regularização Ambiental é previsto que os Estados façam o detalhamento destas normas, considerando as suas peculiaridades territoriais, climáticas, históricas, culturais, econômicas e sociais.
Este PL, que poderia vir suprir uma lacuna, não o faz, chegando mesmo a prejudicar a necessária regulamentação e a efetiva implantação da legislação ambiental em São Paulo e no Brasil.
Esta proposta surge quando a edição da Lei 12.651 está quase completando quase dois anos. O governo federal ainda não implantou diversos de seus dispositivos, a começar pela edição do ato que efetivamente daria início à implantação do CAR e do PRA.
Por sua vez, o governo paulista pouco avançou neste assunto, lançado sua modalidade de CAR, que é anunciada como algo precário que depende da regulamentação federal. Da parte do Executivo não foram apresentadas medidas ou diretrizes para regulamentação do novo Código. Espera-se que esta iniciativa legislativa não implique em mais demora das ações por parte do Executivo.
O PL 219 tem uma redação que repete em grande parte conteúdos e termos da Lei Federal e também detalha demais alguns procedimentos. Além de pouco inovar traz diversos pontos que implicam em mais retrocesso. Alguns podem ser destacados:
– Os critérios para definir o percentual de Reserva Legal em função da legislação vigente na época da conversão da vegetação nativa:
O PL tem uma tese equivocada, em termos legais e ambientais, de que a Reserva Legal só deveria existir em áreas de Cerrado (12% do território paulista) em 1989. Supõe-se por esta linha que, antes da Lei Federal 7803, o Cerrado, o Pantanal e a Caatinga não eram protegidos pelo Código Florestal. Sobre isso é importante lembrar que tanto o primeiro Código Florestal (Decreto nº 23.793, de 1934) quanto o segundo (Lei Federal 4771, de 1965) protegiam todas as formas de vegetação, incluindo o cerrado. As duas versões anteriores do Código (e a atual) são claras em afirmar que elas se aplicam às florestas e às demais formas de vegetação. Esta interpretação do PL ameaça a restauração de parte do Cerrado paulista e a sobrevivência dos poucos remanescentes existentes.
– A falta de previsão de instrumentos econômicos:
A proposta perde a oportunidade de definir instrumentos de incentivo previstos no artigo 41 da Lei federal, que se refere ao programa de apoio e incentivo à conservação do meio ambiente. A seção do PL, que estranhamente tem o mesmo nome, na verdade trata do mecanismo da reposição florestal, que já é prevista no artigo 33 da Lei federal. Perde-se assim a oportunidade de inovar e criar instrumentos de apoio aos agricultores para cumprir as diretrizes legais e adotar tecnologias e boas práticas que conciliem a produtividade agropecuária e a conservação ambiental, como os pagamentos por serviços ambientais (PSA), compensações tributárias e outros incentivos. O Estado de São Paulo já tem previsão legal para estes instrumentos na Lei sobre Mudanças Climáticas, que é de 2009, e ainda não foi aplicada de fato. A regulamentação da Lei florestal é uma oportunidade que não pode ser perdida para se efetivar estas políticas, apontando critérios e fontes de financiamento. O único momento em que é previsto algum tipo de incentivo econômico é quando se propõe o direito à remuneração pela manutenção das APPs, com recursos oriundos da cobrança do uso da água, o que implica em problemas legais e políticos. Cabe ressaltar estes recursos, além de não serem suficientes para tal remuneração, proposta de forma genérica, tem sua utilização já em grande parte comprometida com obras e serviços como saneamento, devendo sua utilização ser definida pelos Comitês de Bacia, conforme a legislação de recursos hídricos.
– Não tem critérios para orientar a recuperação florestal:
Em São Paulo os remanescentes florestais são mal distribuídos, concentrados no Litoral e no Vale do Ribeira. Das 22 Bacias do Estado dez (nas regiões Central e Oeste) têm menos de 10 % de cobertura de vegetação nativa. O mecanismo de compensação de Reservas fora do imóvel é um instrumento que ajuda a compatibilizar critérios agronômicos, econômicos e ambientais para aperfeiçoar a definição de uso das terras. Mas não pode, ao ser flexibilizado ao extremo, permitir que as áreas de compensação fiquem concentradas nas bacias do litoral, que têm muita vegetação, deixando o interior com baixíssimos índices de cobertura florestal e consolidando os prejuízos para a biodiversidade, os recursos hídricos e a paisagem.
De modo geral este PL pouco acrescenta e deixa de cuidar das especificidades de São Paulo. O pouco que tenta inovar sinaliza para um maior prejuízo na integração entre produção agrícola e conservação ambiental. Assim, é importante o acompanhamento e aprimoramento deste Projeto e suas emendas.
*Agrônomo e Presidente da Iniciativa Verde
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