Mais de 650 produtores rurais do Mato Grosso do Sul correm o risco de perder acesso ao crédito rural. Eles fizeram o Cadastro Ambiental Rural (CAR) de suas propriedades depois de 20 de novembro, quando o estado passou a aceitar que o CAR fosse realizado por matrícula dos imóveis em cartório. Principal instrumento do Código Florestal, o CAR passou a ser obrigatório para todas as propriedades rurais no país e reúne informações ambientais sobre as propriedades como áreas de proteção, áreas de vegetação nativa e áreas produtivas.
Uma resolução da Secretaria de Meio Ambiente, do Planejamento e da Ciência e Tecnologia (SEMAC) de MS modificou, em 20 novembro de 2014 a regulamentação do CAR no estado. Contrariando o entendimento do governo federal de que o CAR tem que ser feito por imóvel rural de área contínua, a resolução nº 22 da SEMAC garante aos imóveis rurais com mais de uma inscrição em cartório o direito de optar entre fazer um único cadastro ou um CAR para cada uma das matrículas, como se elas pertencessem a imóveis diferentes.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), todos os que fizeram CAR por matrícula devem cair na malha fina do SiCAR – o sistema integrado do CAR do Ministério do Meio Ambiente, que emite os recibos de regularização ambiental aceitos pelo sistema bancário e para onde todos os cadastros ambientais de imóveis rurais são enviados.
Mesmo que a Secretaria estadual de Meio Ambiente tenha declarado os cadastros ambientais destas propriedades como realizados, no SiCAR eles serão automaticamente categorizados como pendentes quando o sistema constatar imóveis vizinhos registrados com o mesmo CPF. Os bancos já estão exigindo o CAR para liberar o crédito rural, mesmo que o CAR só passe a ser compulsório para obtenção de crédito rural a partir de 2017, de acordo com o novo Código Florestal.
O CAR por matrícula de MS permite que imóveis médios e grandes com várias matrículas possam ser fracionados e beneficiados pela regra do novo Código que dispensa pequenos proprietários (cujas propriedades tenham até 4 módulos rurais) de regenerar ou reflorestar desmatamentos ilegais realizados até julho de 2008, quando as multas para este tipo de infração foram fixadas em valores altos. Para todas as outras propriedades, percentuais mínimos de vegetação nativa (Reserva Legal) e restauração de Áreas de Preservação Permanente (margens de rios e topos de morro) são obrigatórios. Na prática, o CAR por matrícula estende o benefício concedido aos pequenos também a médios e grandes produtores.
O PMDB perdeu o governo para o PSDB nas últimas eleições para governador em MS, mas “a resolução não vai ser revista”, segundo Lorivaldo Antônio de Paula, Diretor substituto de Desenvolvimento do Instituto de Meio Ambiente de MS (Imasul). “O assunto foi muito discutido com o setor produtivo, está sendo bem utilizado e não houve qualquer questionamento”. Ele considera o caráter da Instrução Normativa nº 2 do MMA, que define imóvel rural como área contínua, puramente “orientativo” e garante: “Não estamos fazendo errado. Estamos fazendo diferente”.
Briga antiga
A tentativa de ampliar para os grandes as concessões feitas aos pequenos proprietários no novo Código Florestal começou na tramitação da reforma do Código, concluída em 2012. E foi ressuscitada no início de 2014, quando o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) atrasou por vários meses a regulamentação do CAR pelo governo federal, ao disputar a interpretação do conceito de imóvel rural dada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Durante a disputa, denunciada pelo OCF, o então ministro da Agricultura, Antônio Andrade, disse ao Observatório do Código Florestal que “uma Instrução Normativa não tem o poder de alterar uma lei”, se referindo ao Estatuto da Terra e à lei 8.629 (que regulamentou a Reforma Agrária prevista na Constituição). A IN em questão, elaborada pelo MMA, acabou sendo publicada em maio e deu início ao processo de cadastramento ambiental de todos os imóveis rurais do país, também previsto pelo Código.
O ministro foi substituído e prevaleceu o entendimento do MMA de que a inscrição no CAR deve ser feita por imóvel rural, ainda que o seu registro se dê em diversas matrículas contínuas, e não por matrícula. Prevaleceu o entendimento do Incra (e do MMA) de que imóveis rurais são caracterizados por áreas contínuas.
Justificativa
A argumentação para a introdução do CAR por matrícula no MS tem uma base jurídica diferente da defendida no ano passado pelo Ministério da Agricultura e se baseia na Lei de Registros Públicos (6.015), que não diferencia os conceitos de imóvel e de propriedade. Mas o objetivo é o mesmo: A própria resolução 22 atesta que “a aplicação do conceito agrário para classificar posses ou propriedades de um mesmo titular como sendo um único imóvel e com obrigação de uma única inscrição no CAR poderá ensejar distorções na aplicação de benefícios legais a fatos acontecidos antes de 22 de julho de 2008”. A data coincide com o decreto do então presidente Lula da Silva que fixou multas milionárias para desmatamentos ilegais, a maioria ainda sem pagamento; Logo em seguida começou a pressão ruralista para flexibilizar o Código Florestal e anistiar as multas.
Propriedades maiores podem até converter as multas, mas precisam recuperar as áreas desmatadas ilegalmente. A não ser que possam ser fracionadas. De acordo com o Coordenador de Normas do Imasul, Pedro Mendes, a lei se sobrepõe à Instrução Normativa e a base legal da Resolução do MS é sólida.
Ele também não poupa críticas ao MMA por estar criando um módulo de análise no SiCAR, já que a validação do CAR é uma prerrogativa dos estados: “O ministério não deveria estar trabalhando em módulo de análise, se nem tocou no assunto de criar regras para áreas pantaneiras. Um terço do nosso estado está no Pantanal”. Para Mendes, “a IN do MMA é uma invasão de competência” e o CAR por imóvel deveria ter sido instituído por decreto federal, já que um ministério não deveria gerar regras para os estados.
Desde julho de 2014 o MS vem realizando o CAR estadual através de um sistema próprio – o Siriema. Mesmo assim, o envio dos dados estaduais para o SiCAR é obrigatório segundo o Código Florestal. E no SiCAR, “um dos filtros é a verificação do conceito de imóvel rural adotado pelas normas federais”, afirma o diretor do Serviço Florestal Brasileiro, Raimundo Deusdará.
Tentativa inócua
Até novembro, cerca de 20 CARs tinham sido feitos no Siriema. Portanto, a maioria dos mais de 680 CARs realizados até a primeira quinzena de janeiro e que foram considerados ativos (outros 725 estavam pendentes) podem ter que ser refeitos quando entrarem no SiCAR.Se continuarem pendentes, os bancos devem desqualificar as propriedades para para acessar crédito.
O procurador Marco Antônio Delfino de Almeida, do Ministério Público Federal do MS, acredita que o CAR por matrícula adotado no estado “é uma burla clara à legislação”. E lamenta que o pacto federativo seja “sempre usado como instrumento para garantir barbáries”.
O MP federal não se pronunciou ainda porque considera que como os CARs feitos pelo Siriema em MS vão ter que ser incluídos no SiCAR, ainda não existe esta necessidade: “Não atendendo aos parâmetros, não serão aceitos”, afirma. Almeida explica que com a adesão ao CAR ainda baixa, o MP federal espera para ter a certeza de que o SiCAR vai atuar de forma plena e está implementado a nível nacional, para então se debruçar sobre as questões estaduais.
“O SiCAR é o relevante. Tem que estar rodando, ser confiável, ter regras claras de bloqueio de terras indígenas, áreas públicas, etc e vamos observar como está ocorrendo a migração para a esfera federal. Neste caso, com legislações diferentes”, diz o promotor. Mas a judicialização da questão não está afastada, já que o MP estadual vai reunir seus promotores ainda em fevereiro para discutir o assunto e decidir como agir.
O advogado Maurício Guetta, do Instituto Socioambiental (ISA), membro fundador do Observatório do Código, lembra que “é extremamente frequente, no Brasil, a existência de matrículas distintas e contínuas para o registro em Cartório de apenas um imóvel rural, principalmente em se tratando de latifúndios”. Para ele, a resolução não tem respaldo legal e afronta o Código Florestal (lei nº 12.651/2012), o Estatuto da Terra, os decretos que regulamentaram o CAR e a IN nº 2 do MMA, contrariando ainda a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (STF) e o entendimento do INCRA, todos firmes no sentido de que deve ser considerado como um único imóvel rural aquele formado por mais de uma matrícula, desde que as áreas sejam contínuas. “A interpretação adotada pela Resolução SEMAC n.º 22/2014, de que cada matrícula representaria um imóvel rural isolado para fins de inscrição no CAR, possui a clara finalidade de, ao arrepio da lei, ampliar para os grandes e médios proprietários a anistia concedida pelo Código Florestal aos pequenos”.
O Supremo criou jurisprudência a partir de mandado de Megurança negado pelo plenário, que aceitou o parecer do ministro Eros Grau, em 2006, contra o desmembramento de uma fazenda em processo de desapropriação para reforma agrária, sob o argumento de que “não se pode tomar cada parte ideal do condomínio, averbada no registro imobiliário de forma abstrata, como propriedade distinta.” A mesma interpretação foi usada pelo menos duas outras vezes no STF.
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