Fonte: Instituto Centro de Vida
Fundo Amazônia é uma das principais fontes de recursos para Estados driblarem a falta de recursos financeiros e humanos para executar o Cadastro Ambiental Rural e o Programa de Regularização Ambiental
Mais de dois terços dos Estados brasileiros captaram recursos extraorçamentários para implementação do Cadastro Ambiental Rural – a maior parte deles do Fundo Amazônia. Ainda assim, públicos vulneráveis, como agricultores familiares e Povos e Comunidades Tradicionais, seguem como os maiores desafios da agenda. Estes são alguns dos resultados do estudo sobre o status de implementação das principais ferramentas de proteção da vegetação nativa no Brasil criadas pelo Código Florestal em 2012.
O estudo Do papel à prática: a implementação do Código Florestal pelos Estados brasileiros, elaborado pelo Instituto Centro de Vida (ICV) e Observatório do Código Florestal (OCF), avalia a aplicação de dois instrumentos, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e os Programas de Regularização Ambiental (PRA). Os Estados e o Distrito Federal têm papel crucial na implementação de ambos, mas encontram dificuldades financeiras e carência de técnicos para executar a política. “Esse levantamento contribui para a definição de políticas e ações para a efetiva implantação do CAR e PRA, com informações úteis para a sociedade civil e também para o setor público, possibilitando a visualização dos gargalos a serem enfrentados para a implantação do Código Florestal em todo o país”, avalia Roberta del Giudice, secretária-executiva do OCF.
Todos os Estados e o Distrito Federal declararam possuir uma equipe, ainda que mínima, destacada para a agenda de CAR e PRA, mas dizem que o número de servidores é insuficiente. Em muitos casos, além de reduzida, a equipe não é exclusiva para atender as demandas de implementação do Código Florestal. O estudo levantou que das 27 unidades da federação, 19 captaram recursos extraorçamentários para implementação do CAR. A principal fonte foi o Fundo Amazônia, que aprovou cerca de R$ 359 milhões em projetos para apoiar 12 Estados. Esse valor inclui uma pequena contrapartida dos Estados e ainda não foi totalmente desembolsado.
Outras fontes de recursos acessadas foram o Banco Mundial e os fundos estaduais de meio ambiente e de recursos hídricos. “Esses recursos foram importantes, sobretudo, no cadastramento dos pequenos produtores e na estruturação dos órgãos estaduais. As definições normativas e o custo das etapas seguintes do processo de adequação ambiental, porém, continuam a desafiar os Estados de forma geral” aponta Ana Paula Valdiones, do ICV.
Ferramenta de planejamento
O estudo também avaliou se o CAR está servindo como base de dados para controle, monitoramento, planejamento e combate ao desmatamento, tal como previsto no Código Florestal. A maioria das unidades federativas afirmam que o CAR é requisitado para a liberação de financiamento público e nos processos de emissão de licenças e autorizações no órgão ambiental. Mas poucos usam para subsidiar ações de fiscalização e gestão territorial.
Para Paula Bernasconi, do ICV, ampliar o uso do CAR como instrumento de gestão ambiental pelos diferentes órgãos públicos, assim como pelo o setor privado, é fundamental para o sucesso da implementação do Código Florestal. “O setor financeiro e indústria podem explorar o CAR e PRA tanto para controlar sua exposição a riscos socioambientais e ilegalidade quanto para fomentar e incentivar a regularização ambiental de seus fornecedores”, afirma Paula.
Etapas pós-cadastro precisam de reforço
Uma das etapas importantes do processo de regularização ambiental dos imóveis rurais é análise dos cadastros pelo órgão ambiental dos Estados. Nessa etapa, são detectados eventuais problemas como sobreposições com áreas protegidas e entre os imóveis, além de apontados os passivos e excedentes de vegetação.
Desde outubro de 2015, o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) disponibilizou aos órgãos estaduais um módulo do sistema desenvolvido para análise dos cadastros. Entretanto, menos da metade dos Estados iniciaram essa etapa. Os que já iniciaram a análise e validação dos cadastros, apontam a necessidade de obter imagens de satélite e bases vetoriais adicionais às disponibilizadas no módulo de análise do Sicar, para melhor resolução espacial e temporal.
A regulamentação dos Programas de Regularização Ambiental também carece de reforço. Após quase 7 anos de Código Florestal, 18 Estados já fizeram suas regulamentações próprias. Mas algumas não trazem definições relevantes, como parâmetros técnicos para elaboração dos planos de recuperação e opções para adequação de imóveis com passivos gerados antes e após 22 de julho de 2008. Para completar, há casos suspensos por divergências com a legislação federal.
Os imóveis da agricultura familiar e de povos e comunidades tradicionais são os mais prejudicados com o atraso na implementação. A maioria dos Estados não tem ainda uma solução definitiva para o cadastramento destes diferentes segmentos e apenas seis fizeram algum tipo de parceria ou ação para apoiar assentamentos rurais, povos e comunidades tradicionais no PRA.
Para os produtores rurais em débito com o Código Florestal, as penalizações relacionadas a supressão de vegetação natural irregulares antes de 22 de julho de 2008 ficam suspensas em todos os estados que não regulamentaram o PRA. Nos 18 Estados que já regulamentaram o PRA, os produtores rurais que precisam se adequar à Lei precisam fazer a adesão imediatamente. Com a adesão eletrônica ao PRA, a penalização fica suspensa até a notificação pelo Estado para assinatura do Termo de Compromisso e início das atividades de adequação.
Código em risco
Fruto de mais de uma década de discussões no Congresso Nacional e resultado de uma grande negociação entre todos os setores envolvidos, a Lei nº 12.651, de 2012, é a norma que dispõe sobre a regularidade ambiental no setor rural do país, viabilizando a implantação de políticas de sustentabilidade e agregação de valor às commodities agrícolas brasileiras.
Na história do país, este é o terceiro Código Florestal – os anteriores são 1934 e 1965. Contudo, é a primeira vez que a legislação florestal brasileira dispõe de um processo de implantação e instrumentos de monitoramento dessa implantação – o Programa de Regularização Ambiental e o Cadastro Ambiental Rural que, como o estudo mostra, apresentam desafios, mas estão em andamento.
Porém, mesmo antes de consolidar a aplicação integral de todos os dispositivos previstos no Código, setores retrógrados representados na Câmara dos Deputados e no Senado querem desconfigurar a legislação.
É o caso da MP 867, que foi criada com o único objetivo de ampliar o prazo para que os produtores rurais pudessem aderir ao PRA. Na Câmara, no entanto, foi alterada na Comissão Mista, a qual foi submetida, e propunha 30 modificações no Código Florestal, caso sua versão aprovada na Câmara dos Deputados fosse aprovada pelo Senado, onde não foi votada e caducou em 3 de junho.
As propostas de alterações, porém, foram resgatadas e consolidadas no Projeto de Lei n°3511, de 2019, do Senador Luis Carlos Heinze (PP/RS), todas com o objetivo de ampliar a anistia ao desmatamento já concedida pela lei hoje em vigor e inviabilizar o início e o monitoramento dos planos de recuperação.
Logo depois, no dia 14 de junho, foi editada uma nova Medida Provisória para a alteração do Código Florestal, a MP 884, acabando com o prazo para adesão ao CAR e eliminando o prazo para a adesão ao Programa de Regularização Ambiental, com o mesmo objetivo da primeira MP citada.
“A questão é que o prazo para registro no CAR também está relacionado ao prazo para adesão ao PRA, que é a etapa seguinte para regularização. Ou seja, essa nova MP traz uma grande insegurança jurídica para o produtor rural e deixa grandes chances de nova judicialização que pode atrasar a implementação do Código Florestal” alerta Roberta. Outra ameaça ainda maior é o PL 2.362, em tramitação no Senado, que visa revogar todo o capítulo que trata da reserva legal no Código Florestal e elimina a obrigatoriedade de proteção à reserva legal nas propriedades rurais, colocando em risco de desmatamento legal cerca de 167 milhões de hectares.
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