Cumprimento da lei de proteção da vegetação nativa é essencial para cumprimento de metas climáticas do país
Marcelo Elvira – secretário-executivo do Observatório do Código Florestal (OCF)
Raoni Rajão – professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
A política ambiental brasileira tem ocupado a pauta dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF), que já reconheceu a existência de falhas estruturais na implementação de políticas ambientais e tem cobrado compromisso do Executivo Federal, sobretudo na agenda de combate à crise climática.
Nos últimos meses foram proferidas decisões na arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 743 determinando, dentre outras ações, medidas para fortalecer a transparência e integração de dados no combate ao desmatamento.
Uma dessas decisões reconhece que o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor) que deveria ser utilizado para tal tarefa enfrenta graves problemas e são encontradas muitas autorizações de desmatamento emitidas em desconformidade com a legislação vigente – o Código Florestal. E, por isso, a decisão determina o uso obrigatório do Sinaflor por todos os entes federativos.
Além disso, a mesma decisão discute a necessidade de aprimoramento do Cadastro Ambiental Rural (CAR), obrigatório para todos os imóveis rurais. A decisão também abriu prazo para a União se manifestar sobre a possibilidade de suspensão automática do CAR em propriedades onde for identificado desmatamento ilegal pelo Prodes e Deter, sistemas de monitoramento do Inpe.
Essa decisão do STF reconhece a urgência de se atuar sobre os CAR com desmatamento. São aproximadamente 204 mil imóveis nessa situação com desmatamentos acima de 6.25 hectares e que não estão regulares com a legislação por não terem excedente de reserva legal. Desses, aproximadamente 43 mil possuem desmatamento acima de 50 hectares, onde não restam dúvidas sobre a existência de falsos positivos.
Aqui vale um paralelo. Não é novidade a existência de cadastros que servem tanto para registrar uma informação quanto para apoiar na implementação de uma política pública. Um exemplo disso é o próprio Cadastro de Pessoa Física (CPF). Diante da não apresentação da declaração de imposto de renda é gerada uma pendência do cadastro no sistema, que por sua vez gera restrições, como o bloqueio na movimentação de contas bancárias.
De forma similar, os Estados, na análise do CAR, mudam a situação da inscrição de ativo para pendente, suspenso ou cancelado de acordo com a gravidade das irregularidades encontradas. Com o cadastro suspenso ou cancelado, o produtor rural fica impedido de obter crédito rural.
Vale destacar que essas mudanças na situação tanto do CAR quanto do CPF não podem ser confundidas com uma sanção ambiental ou fiscal, respectivamente. Cabe aos órgãos ambientais avaliarem a necessidade da realização de uma multa e/ou embargo, até porque, assim como no caso do Imposto de Renda é possível regularizar um CAR suspenso ao responder a notificação do órgão ambiental, enquanto os embargos necessitam de um rito administrativo complexo para que sejam cancelados. Por esse motivo, somente 25% dos imóveis com CAR suspensos possuem embargo federal ou estadual.
Porém, a implementação de procedimentos de monitoramento e suspensão automática requer a adoção de critérios objetivos dentro do quadro normativo vigente. Em primeiro lugar, é preciso verificar a existência de uma autorização para tal desmatamento. Com o aprimoramento da integração entre estados exigido também pelo STF, essa verificação poderá ser feita automaticamente. Também é importante garantir um prazo para que o produtor possa responder a notificação do órgão ambiental e corrigir eventuais irregularidades, e implementar tal mecanismo de forma progressiva, focando em um primeiro momento somente nos imóveis médios e grandes.
Finalmente, é crucial que produtores rurais tenham meios de reverter a suspensão de forma célere ao demonstrar a legalidade do desmatamento, a existência de algum falso positivo ou buscar a regularização no órgão ambiental competente. Assim, a discussão não deve girar em torno da possibilidade de suspensão, mas na regularização dos imóveis.
Por fim, parece razoável que, às vésperas da COP-30 em Belém, essa discussão seja travada nas altas instâncias do Governo, sobretudo pelo fato da implementação do Código Florestal ser um pilar das metas climáticas e de biodiversidade do país.
Não é demais lembrar que a integração de dados e sistemas e a definição de procedimentos para a suspensão do CAR em casos de desmatamento são medidas que não necessitam de alterações na legislação já vigente, mas sim a implementação do que já existe. Temos arcabouço normativo suficiente, o que falta é a adoção de tecnologias de análise automática já disponíveis e uma participação mais efetiva do governo federal na gestão do CAR. Que a discussão posta pelo STF crie o espaço necessário de diálogo para avançarmos nisso.
Os dados utilizados no artigo são de levantamento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Marcelo Spinelli Elvira é advogado e secretário-executivo do Observatório do Código Florestal.
Raoni Guerra Lucas Rajão é cientista ambiental e professor associado de Gestão Ambiental e Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia no departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências.
Confira o artigo no site do Estadão pelo link.
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