Área equivalente ao tamanho do Uruguai, são mais de 19 milhões de hectares de passivo de vegetação nativa a ser recuperado no Brasil dentro de imóveis rurais nos termos do Código Florestal.
Os dados são do Termômetro do Código Florestal (TCF), iniciativa do Observatório do Código Florestal que demonstra o grau de implementação da legislação federal em todo o território brasileiro. Enquanto isso, projetos de lei que flexibilizam a lei avançam na tramitação no Congresso Nacional.
Esse é o cenário que enfrenta a implementação do Código Florestal (Lei 12.651/2012), legislação aprovada em 25 de maio de 2012 e que completa doze anos com desafios significativos.
A primeira etapa da lei para a regularização ambiental, a inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), teve avanços expressivos. De acordo com boletim do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) de outubro de 2023, o último divulgado, a área cadastrada no território brasileiro chega a 671 milhões de hectares.
Mas esse número tem um gargalo expressivo para parte da sociedade rural brasileira.
ACESSO DIFICULTADO A COMUNIDADES TRADICIONAIS E QUILOMBOLAS
A maior parte dos cadastros (7,1 milhões) é de imóveis rurais privados, seguido pelos assentamentos rurais, com apenas 16 mil cadastros e, pelas comunidades quilombolas e tradicionais, com pouco mais de 3 mil cadastros, número considerado baixíssimo.
Comunidades tradicionais e quilombolas ainda não conseguem ou têm significativa dificuldade de garantir o reconhecimento na política pública e regularização ambiental de suas áreas por meio da inscrição no CAR PCT, o módulo direcionado a povos e comunidades tradicionais (PCTs).
“Não teve nenhum avanço. A própria legislação diz que o Estado deve apoiar e fomentar o cadastro para os povos e comunidades tradicionais, algo que não acontece. A mudança no número de cadastros quilombolas é irrisória”, avalia Milene Maia, coordenadora do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA).
Enquanto isso, as sobreposições de inscrições de imóveis rurais privados, cujo número é crescente, seguem sendo usadas como instrumentos de pressão territorial e violência no campo.
“Quem se sobrepõe a territórios quilombolas também acaba utilizando isso para acessar políticas públicas”, comenta, ao ressaltar a falta de apoio estatal no apoio para o cadastramento das comunidades quilombolas. “Assim as comunidades ficam invisíveis.”
Dados do Termômetro do Código Florestal mostram sobreposições de cadastros de imóveis rurais em 51 milhões de hectares. Já áreas cadastradas como PCTs somam 38 milhões da área cadastrada de PCTs e assentamentos rurais, 14 milhões.
FALTA DE AVANÇOS NA ANÁLISE E GARGALO NA RESTAURAÇÃO
Para resolver as sobreposições, é preciso análise dos cadastros. Mesmo para os imóveis rurais privados, que atualmente somam mais de 7 milhões de cadastros, a legislação ainda enfrenta o desafio dessa avaliação, também responsabilidade dos governos estaduais.
“O primeiro desafio é avançar na análise e validação das informações declaradas, o que tem gerado incertezas para os proprietários rurais e dificultado o acesso a benefícios e oportunidade nas demais etapas de regularização ambiental”, explica Jarlene Gomes, pesquisadora do Ipam Amazônia.
Na fase de restauração e recuperação, ou seja, a segunda etapa após análise do CAR, o Programa de Regularização Ambiental (PRA) exige um projeto de recuperação e restauração de eventual passivo de vegetação identificado na primeira.
Tanto a RL quanto as APPs, as duas principais categorias de vegetação nativa protegidas pela lei, requerem proteção pois exercem um importante papel no funcionamento e equilíbrio do meio ambiente.
Os programas, também de responsabilidade dos Estados, entretanto, carecem de devida implementação e funcionamento. É isso o que mostra o Portal de Monitoramento do Código Florestal, iniciativa do OCF liderada pela BVRio.
O monitor mostra que seis estados (RN, PB, GO, RS, ES e SE) não possuem regulamentação; onze possuem regulamentação, mas sem adesão de imóveis rurais (AM, RR, AP, MA, TO, PI, CE, PE, RJ, PR e SC) e apenas nove estados e o distrito federal possuem PRA regulamentado com adesão de imóveis rurais em andamento (PA, MT, RO, AC, MS, SP, MG, BA e AL).
FLEXIBILIZAÇÕES NO CONGRESSO NACIONAL
Além disso, em junho de 2023, o prazo de adesão dos produtores rurais ao PRA foi mais uma vez adiado por meio da aprovação da lei 14.595/2023.
Agora, o prazo depende da conclusão da análise, processo que já é um gargalo para os estados, e ainda de uma posterior notificação do órgão ambiental para regularização do imóvel.
Enquanto a legislação carece de esforço para regulamentação dos artigos e consolidação de mecanismo para implementação, o Congresso Nacional ainda empreita uma série de ataques à legislação por meio do avanço na tramitação de projetos que flexibilizam regras e desprotegem a vegetação nativa no país, cujos efeitos são bem demonstrados pelas enchentes recentes no Rio Grande do Sul.
“Quanto mais o Código Florestal estiver implementado nessas áreas, maior a capacidade do ecossistema reagir positivamente a eventos extremos”, comenta Marcelo Elvira, assessor em advocacy e políticas públicas do Observatório do Código Florestal.
“O que chama atenção, é que mesmo com todos as vantagens de implementação do código e os malefícios pela não implementação, o congresso brasileiro ainda insiste na flexibilização e fragilização da Lei”, comenta Jarlene.
Enquanto o projeto de lei 2168/2021, que ataca áreas de preservação permanente (APPs) é pautado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados o projeto de lei 364/2019, que coloca sob desproteção mais de 48 milhões de hectares de vegetação nativa em todo o país, foi aprovado em março desse ano na mesma comissão e aguarda encaminhamento de recurso para apreciação no plenário da Câmara.
Já no Senado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) deve votar a qualquer momento o projeto de lei 3334/2023, que pretende reduzir de reduzir de 80 para 50% a área de reserva legal em municípios e estados da Amazônia Legal.
INTENSIFICAÇÃO DA PRODUÇÃO
Jarlene também ressalta que é necessário maior esforço de capacidade operacional e estratégia para conciliar produtividade com proteção ambiental.
Isso resultaria em diminuição de pressão, ou seja, desmatamento, em áreas protegidas pela lei.
“O aumento da pressão do mercado consumidor por uma transição das cadeias produtivas em prol da sustentabilidade necessita do avanço da implementação da lei e estímulo aos esforços que promovam a intensificação produtiva em áreas já abertas, além da recuperação de áreas degradadas”, comenta.
O pecuarista Mauro Lúcio Costa é caso de sucesso nisso.
“Os políticos que falam que precisa abrir mais áreas para a produção e para gerar empregos estão dizendo uma família. O problema não é a falta de área aberta, e sim áreas produzindo melhor, com mais eficiência”, comenta o produtor, que trabalha com pecuária intensiva, ou seja, sem necessidade de desmatamento, há mais de 20 anos.
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