Brasil, celeiro do mundo. Os números ajudam a explicar porque esta frase – que chegou a ser usada como slogan na Era Vargas – continua atual: em 2021, o setor agropecuário foi responsável por uma fatia de 27,4% do PIB brasileiro, a maior participação desde 2004, conforme cálculos do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP. Além disso, atualmente, o número de cabeças de gado no país (218 milhões) supera o da população brasileira (214 milhões), conforme o Instituto Brasileiro de Geografa e Estatística (IBGE).
No entanto, o meio ambiente tem pagado um preço altíssimo, visto que o setor agropecuário é o principal responsável pelo desmatamento no país – e também no mundo. Um estudo publicado em 2022 na revista Science mostra que de 90 a 99% do desmatamento em terras tropicais entre 2011 e 2015 estava, direta ou indiretamente, associado à agropecuária. Para falar sobre “Instrumentos de incentivo e monitoramento da legalidade do setor produtivo”, o Observatório do Código Florestal reuniu especialistas no tema, num debate mediado por Pedro Burnier, gerente do programa de agropecuária da Amigos da Terra.
Participaram do evento Katiuscia Moreira, engenheira florestal e líder técnica da National Wildlife Federation (NWF) no Brasil,
Impulsos à rastreabilidade
Nas próximas décadas, a revolução digital continuará transformando toda a cadeia produtiva e a relevância da qualidade e sustentabilidade vai crescer, incluindo a rastreabilidade do produto e a racionalização do uso dos recursos naturais. Tais fatos integram as dez megatendências para 2040, segundo Katiuscia Moreira, engenheira florestal e líder técnica da National Wildlife Federation (NWF) no Brasil, que falou sobre a rastreabilidade na pecuária e a implementação do Código Florestal.
Katiuscia lembrou que foi uma ação do Ministério Público Federal (MPF), em 2009, que impulsionou a rastreabilidade da pecuária no Brasil de forma mais intensiva nos últimos anos. O chamado TAC da Carne envolveu grandes frigoríficos que, ao aderir ao programa, se comprometeram a não comprar animais oriundos de áreas de desmatamento ilegal, trabalho escravo ou terras indígenas. Como efeito cascata, ações dos Ministérios Públicos Estaduais também acabaram por impulsionar a implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
“O Código Florestal é um instrumento fundamental para estimular os esforços do Brasil em alinhar o crescimento da agropecuária com a proteção dos recursos naturais, através dos seus dispositivos de proteção”, sublinhou Katiuscia. Segundo ela, para avançar é preciso agora ampliar a adesão dos frigoríficos e implementar estratégias para ganhar escala na análise e validação do CAR, além de que o monitoramento deve ser acompanhado de incentivos de capacitação técnica.
Pressões que geram mudanças
Diretor de Novos Negócios da Safe Trace, Vasco Picchi regressou aos anos de 2006 e 2009 para falar da relevância dos relatórios do Greenpeace para engajar o setor privado nas discussões sobre monitoramento e rastreabilidade. Ao expor grandes marcas internacionais, o trabalho da organização provocou uma reação em cadeia ligando o desmatamento ilegal na Amazônia aos grandes traders da soja e indústrias nacionais da carne. Além do TAC da Carne, a Moratória da Soja foi outro dos compromissos surgidos para fazer frente ao desflorestamento.
Em 2016, os varejistas passaram a fazer parte do pacto, adotando política de compras livres de desmatamento e trabalho escravo. Nessa equação, o Novo Código Florestal também tem um papel decisivo na capacidade de monitoramento, segundo Picchi. “Há pressões internacionais por uma produção responsável e múltiplas pressões internas relacionadas ao monitoramento de fornecedores indiretos”, disse, destacando que os produtores rurais devem ser parte ativa nesse processo.
Mais recentemente, os compromissos assumidos pelos varejistas têm ajudado no cumprimento do Código Florestal. Na avaliação de Picchi, as demandas especialmente por monitoramento geram modificações na cadeia, o que, para o consumidor, se traduz em um maior nível de transparência e poder de escolha.
Separando o joio do trigo
As cobranças legais em cima das cadeias produtivas do agronegócio brasileiro foram, paulatinamente, se transformando em cobranças de mercado. Monitoramento, rastreabilidade tem sido requisitos básicos. O problema, na opinião de Jordan Carvalho, engenheiro agrônomo e diretor comercial da Nice Planet Geotecnologia, é que tais exigências agora esbarram na não implementação do Código Florestal e nas difculdades dos órgãos ambientais.
Também produtor rural, Carvalho reforçou que o Código é uma legislação descritiva, e não punitiva, servindo como uma bússola para acessar
mercados cada vez mais exigentes. A lei, segundo ele, é fundamental para diferenciar produtores de grileiros e desmatadores. “O Código Florestal, no momento de implementação, faz com que a gente consiga separar o joio de trigo nas cadeias produtivas do agronegócio brasileiro. E essa separação num momento de pressão com relação à regularidade e às baixas emissões de gases de efeito estufa é imprescindível”, destacou.
Colocar o produtor rural como peça-chave da implementação do Código e desburocratizar procedimentos são passos fundamentais, defendeu
Carvalho. “Tenho dito que quem derruba ou deixa uma árvore, aquela que o satélite não vê, é o produtor rural. A gente precisa cobrar e ter em mente a necessidade da implementação do Código, da criação de processos simplificados, para trazer todos para inclusão e levar os grileiros e desmatadores para exclusão de forma definitiva, a fim de melhorar a imagem das cadeias produtivas do agronegócio”, finalizou.
Mercados cada vez mais exigentes
Os mercados europeus, do Reino Unido e até dos Estados Unidos começam a fechar as portas para itens que não sejam produzidos com responsabilidade socioambiental. O Brasil, nesse contexto, possui instrumentos – como o Código Florestal – que colocam o país numa posição de vanguarda, com potencial de transformar a crise em oportunidade, segundo Tiago Reis, coordenador da iniciativa Trase/Global Canopy. “Uma mudança, nesse período de dez anos, justamente foi deixar de ter a autoridade pública como principal vetor de avanço das políticas públicas para o mercado, essa entidade que passa a demandar sustentabilidade, demandar informação”, disse.
O cenário de emergência climática fez com que os mercados globais entendessem que temas como o desmatamento precisam ser enfrentados
de maneira coletiva e inquestionável, conforme Reis. Além disso, enxergar as matas nativas como uma tecnologia natural barata e eficaz para remover e armazenar carbono é outra oportunidade. “Ou seja, preservar e restaurar as matas nativas é um benefício e não um custo. Trata-se de um investimento, já que os mercados também tendem a se abrir para esses produtos livres de desmatamento”, pontuou.
Dessa forma, aos poucos a transparência vai se transformando em norma: “muito em breve, quem não for capaz de demonstrar honestidade, o país que não conseguir dar essa transparência para os seus mercados consumidores vai começar a ser excluído”. Reis contou que, ao analisar dados do Mapbioma, foi constatado que 38% da produção de soja em 2019 ocorreu em áreas de baixo risco de desmatamento. “Não é todo o Brasil que tem desmatamento, não são todos os produtores que têm ilegalidade. Muito pelo contrário. O Brasil tem uma produção bastante responsável, eficiente, qualificada e capaz de se inserir nesse mercado global que se torna mais restrito.”
A importância do Código
Se na primeira década dos anos 2000, os produtos neutros em carbono, sustentáveis, eram algo voltado para um nicho, a realidade mudou. Hoje, dependendo do mercado, são a regra. “O que era um diferencial competitivo começa ser a régua de baixo, começa a ser a norma, e acredito que isso vai chegar aqui no Brasil também”, destacou Tiago Reis, coordenador da iniciativa Trase/Global Canopy.
Este cenário reforça a importância do cumprimento do Código Florestal, bem como o papel da assistência técnica para estimular as boas práticas. “É preciso falar das vantagens da legalidade e da regularização ambiental da propriedade e ajudar o produtor na gestão deste negócio, que tem ser bom fnanceiramente para o produtor tanto sob o aspecto comercial como pelo aspecto de implementação”, afirmou
Jordan Carvalho, engenheiro agrônomo e diretor comercial da Nice Planet Geotecnologia .
Por fim, Vasco Picchi, da Safe Trace, disse que a completa implementação do Código Florestal só traz benefícios: “ou seja, a gente garante acesso a mercados, traz produtores para o mercado mais rentável, viabiliza o agronegócio brasileiro criando diferenciais praticamente únicos para o Brasil”. Ele encerrou convocando a todos para trabalharem como agentes de transformação da implementação, para que não seja
necessário esperar pelos governos.
Painelistas
Pedro Burnier – Gerente de programa de agropecuária da Amigos da Terra / Amazônia Brasileira (Moderação)
Katiuscia Moreira – Consultora técnica da NWF
Vasco Picchi – Diretor de Novos Negócios da Safe Trace
Jordan Carvalho – Niceplanet Geotecnologia
Tiago Reis – Coordenador da iniciativa Trase
Assista ao debate na íntegra:
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