É como se fossem duas primas nascidas com dias de diferença e que, com o passar dos tempo, descobriram afinidades e tornaram-se melhores amigas. 2012 foi o ano que marcou a entrada em vigor não só do Novo Código Florestal, mas também da Lei de Acesso à Informação, mais conhecida como LAI, aprovada, contudo, no ano anterior. A relação de complementaridade entre as duas legislações e a sua importância para a sociedade foram tema do painel “Informações, democracia e produção agropecuária”, promovido pelo Observatório do Código Florestal (OCF).
Coordenadora do Programa de Transparência Ambiental do Instituto Centro de Vida (ICV), Ana Valdiones, que mediou o debate, recordou que o acesso à informação e o uso de dados públicos sempre foram um tema muito presente nas discussões a respeito da implementação do Código Florestal e seus instrumentos, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Programa de Regularização Ambiental (PRA).
Para tratar das intersecções entre tais assuntos, participaram do evento Renato Morgado, Transparência
Internacional Brasil, Luiz Aragão, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e Sônia Bridi, jornalista da Globo.
Década de avanços e desafios
Na academia, imprensa ou sociedade civil. Para monitorar a ação de governos e de empresas, exercendo o controle social, o acesso aos dados públicos é uma uma condição, destacou Renato Morgado, gerente de Programas da Transparência Internacional Brasil. Com mais de dez anos de experiência em políticas públicas ambientais, ele iniciou sua fala destacando três avanços da última década. O primeiro é a
própria existência da Lei de Acesso à Informação, ainda com a sua implementação incompleta, pois mudou a relação entre Estado e sociedade: “A LAI define a publicidade como regra e o sigilo como exceção, o dever do Estado disponibilizar informações públicas, como é o caso de informações relacionadas à regularização ambiental, e estabelece prazos e procedimentos para que qualquer cidadão sem a necessidade de justifcativa possa pedir é uma uma informação”, explicou.
O segundo ponto a ser celebrado, segundo ele, é o fato de o Código Florestal trazer a previsão de sistemas e cadastros que até então não existiam ou, pelo menos, não existiam de uma forma abrangente e estruturada, como o Cadastro Ambiental Rural e o Sistema Nacional de Controle de Produtos de Origem Florestal (Sinafor), lançado em 2014 “Na medida em que a lei traz esses instrumentos, ela automaticamente traz a obrigação do Estado criá-los e nos traz a oportunidade de acessar informações que até então não existiam.” Por último, citou o mergulho na era de dados a partir de 2010/2012, que fez crescer exponencialmente a capacidade de órgãos públicos, de empresas e da própria sociedade civil produzir, processar e analisar dados. “E essa capacidade ela nos gera diversas oportunidades de entender problemas que são complexos, como as questões socioambientais”, frisou.
Quanto aos desafios, Morgado pontuou que os mesmos “nos colocam numa esquina de aprofundamento de avanços, mas também de franco retrocessos”. Os pontos mais críticos mencionados por ele foram a desinformação, a falta de consolidação e discrepância entre poderes, estados e municípios no cumprimento da LAI, a indisponibilidade de alguns dados do CAR e o uso abusivo do argumento da proteção de dados pessoais para a não disponibilização de dados de interesse público. “É preciso garantir as capacidades estatais de produzir e disponibilizar informação, e o que nós vemos, muitas vezes, é a redução de orçamento de órgãos ambientais ou de órgãos públicos que produzem informação. A produção de informação, obviamente, demanda recursos públicos.”
Informar para proteger
Para Luiz Aragão, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a democratização da
informação sobre o desmatamento e degradação florestal é imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. “A transparência dos dados de desmatamento garante a adequada gestão ambiental, protegendo o bem público e abrindo novos mercados para prover segurança social e econômica para
o país. Não há desenvolvimento sem o equilíbrio entre os capitais sociais, econômicos e ambientais, que dependem de uma informação transparente”, pontuou.
Chefe da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Inpe, ele lembrou que, na década de 1980, o Brasil foi o terceiro país do mundo a receber e processar dados de satélite, gerando os mapas do desmatamento tão disseminados hoje. “Nós estávamos à frente, na vanguarda do conhecimento dessa área espacial”, disse. Entretanto, a tecnologia sozinha não é suficiente para barrar o aumento no desmatamento que se verifica desde 2012. A falta de vontade política e de recursos, bem como os cortes de investimentos em ciência e tecnologia, são o principal entrave para viabilizar uma ciência de
ponta para planejamento estratégico, mostrando áreas com maior probabilidade de desmatamento, por exemplo.
Além de produzir relatórios anuais sobre o desmatamento, o instituto produz dados diários para fiscalização na Amazônia e Cerrado. Aragão defendeu a necessidade de o país ter soberania na produção dos dados, contemplando todos os biomas. “A gente tem que encontrar caminhos para a resolução
desse problema, e esse caminho passa pela geração dos dados e abertura para a sociedade. Com os dados que são produzidos, existem técnicas de geoinformação que permitem o mapeamento de áreas que estão disponíveis para o avanço agrícola, porque não existe justificativa para desmatar a Amazônia.
Nós temos que usar melhor as áreas que já estão desmatadas sendo mal aproveitadas, que estão degradadas”, afirmou.
Uma guerra contra a desinformação
Há uma guerra em curso. E quem produz informação de qualidade, quem defende o meio ambiente está perdendo a batalha contra a desinformação. Esta é a avaliação da jornalista Sônia Bridi, repórter especial da TV Globo, para quem o triunfo das fake news está levando o Brasil a tolerar a destruição da floresta
em níveis sem precedentes. “Todos nós perdemos em várias camadas, mas quem mais está perdendo com isso são os próprios produtores rurais, que têm repetido um discurso que favorece alguns grupos ilegais, criminosos”, disse, ressaltando a necessidade de “ser mais eficiente nessa comunicação com
esse setor da sociedade, que é muito importante, porque é o povo que bota a comida na nossa mesa”.
Outro grave problema, conforme a jornalista, é a falta de estrutura para fiscalização, o que, na prática, significa uma licença para desmatar e cometer crime ambiental. “O negócio ilegal é um concorrente poderoso. Ser legal no Brasil é uma desvantagem competitiva. Um país que não pune criou uma concorrência desleal, e isso é o maior incentivo às pessoas que querem fazer certo a não fazerem certo”, disse. Numa altura em que o Congresso Nacional nunca foi tão retrógrado, Sônia apontou a necessidade de se encontrar formas de informar as pessoas sobre as consequências que elas mesmas pagam pelos atrasos.
Se por um lado a questão ambiental nunca teve tanto espaço na imprensa no Brasil e no mundo, segundo a jornalista. Por outro, parece haver um segmento da população que foi perdido pela mídia que faz um trabalho sério de apuração. “É um espaço que foi preenchido por uma rede de notícias falsas, de mentiras, de desinformação e que visa basicamente manter as atividades criminosas acontecendo com
apoio político e com o apoio de setores importantes da população, com prejuízo de toda a sociedade brasileira e no fim das contas do planeta inteiro”, lamentou.
Barreiras a ultrapassar
Da falta de orçamento à anistia para quem descumpre a lei, passando pelos desafios de comunicação. São inúmeros os gargalos para que legislações de extrema importância para a sociedade brasileira, como a LAI e o Código Florestal, sejam, de fato, implementadas. “A gente atua no limite do orçamento, mas, como funcionários públicos, a gente tem a missão de prover essa informação. Então, muitas vezes, a gente vai além da nossa capacidade para tentar cumprir um dever que nos foi colocado”, assinalou Luiz
Aragão, do Inpe.
Vencer a batalha contra a desinformação é um passo crucial, pontuou Renato Morgado, da Transparência
Internacional. A jornalista Sônia Bridi sublinhou a necessidade de se usar o humor como estratégia. E reforçou, porém, que a impunidade é um câncer que corrói o país: “É preciso que a gente estabeleça um sistema de legalidade, e a legalidade passa por isso: você fazer leis que sejam cumpridas e que as pessoas consigam perceber que todo mundo ganha quando se cumpre a lei”, frisou.
Painelistas
Ana Valdiones – Coordenadora / ICV (Moderadora)
Renato Morgado – Gerente de Programas / Transparência Internacional
Sônia Bridi – Repórter especial / Fantástico
Luiz Aragão – Pesquisador / Inpe
Link para o debate na íntegra:
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