Os danos causados pelo desmatamento são conhecidos e a necessidade de se controlar o desmatamento no Brasil incontestável. Atualmente, a maior parte do desmatamento no Brasil ocorre em terras privadas, justamente as que deveriam estar aplicando o Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de 2012). No estado do Mato Grosso, por exemplo, 59% do desmatamento verificado entre agosto de 2020 e julho de 2021 ocorreu em propriedades privadas inscritas no CAR. Sob um enfoque mais abrangente, em todo o país, para os 6,5 milhões de imóveis rurais cadastrados no CAR, há 16 milhões de hectares de déficit de RL e 3 milhões de hectares de déficit de APP.
A análise e validação do CAR, assim como o monitoramento da implantação do Código Florestal e regularização ambiental dos imóveis rurais, são de competência dos estados e do Distrito Federal. Contudo, o Governo federal tem o papel de conduzir, fomentar e financiar a implantação do Código Florestal, tendo em vista o impacto nacional e global na conservação da biodiversidade, no armazenamento de carbono em escala regional, redução substancial do desmatamento, promoção da restauração de ecossistemas degradados, melhora na governança do uso da terra, contribuição para o direito de acesso à terra pelas comunidades tradicionais, impactando ainda o mercado e a imagem
internacionais do País.
Com planejamento, priorização e práticas de governança transparentes e participativas, é possível alcançar resultados práticos em curto prazo, ainda que ações pontuais, o acompanhamento e o monitoramento demandem tempo e recursos adicionais. O Observatório do Código Florestal selecionou 5 ações práticas para a implantação imediata da Lei de Proteção da Vegetação Nativa de competência do Governo Federal, que podem gerar impacto a curto, médio e longo prazo para a implantação efetiva e célere do Código Florestal.
Outras ações necessárias para a implantação do Código Florestal já foram listadas pelo Observatório do Código Florestal, as quais deveriam ser discutidas em um grupo de trabalho que reforce a governança e transparência necessárias para a proteção da vegetação natural no Brasil.
1. Alteração imediata da atribuição para gestão do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural para um órgão ambiental
O Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR), atualmente sob a
responsabilidade do Serviço Florestal Brasileiro, órgão específico singular da estrutura do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento , é um sistema de registro eletrônico das feições ambientais dos imóveis, consolidação de dados estaduais e disponibilização de informações à sociedade. Como instrumento de política pública de meio ambiente, para regularização ambiental dos imóveis rurais3
e o monitoramento das normas impostas pela Lei de Proteção da Vegetação Nativa, deve ser gerido na estrutura do Ministério do Meio Ambiente, direta ou indiretamente, em um de seus órgãos ou autarquias.
2. Consolidação da legislação federal como norteadora da implantação do Código Florestal
O Código Florestal, em consonância com a Constituição da República, define que os estados e o Distrito Federal devem regulamentar o Programa de Regularização Ambiental (PRAs), complementando as regras federais no que couber para a aplicação regional.
Contudo, o Código Florestal é uma norma de autoexecução, que não demanda complementação ou regulamentação para que produza seus efeitos, imponha obrigações ou restrinja direitos. Além disso, a Lei define que o proprietário ou possuidor de imóvel rural poderá aderir ao PRA, implantado pela União, caso os Estados e o Distrito Federal não implantem o PRA até 31 de dezembro de 2020. Com isso, tem-se que as normas já editadas pela União, permitem a implantação imediata dos PRAs nos imóveis rurais e, adicionalmente, a consolidar a legislação federal como norteadora da implantação do Código Florestal, tem o potencial de reduzir custos e promover a melhoria da qualidade das regulamentações estaduais.
A divulgação sobre a imediata aplicação do Código Florestal, independentemente de regulamentações estaduais ou federais adicionais, e divulgação em um ambiente único das normas federais relativas ao Código Florestal melhorará a qualidade e reduzirá o tempo de sua implantação.
3. Definição áreas prioritárias para a inscrição de territórios tradicionais, validação do CAR e implantação dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs)
A análise dos dados do Sicar e seu cruzamento com 19 bases de dados públicas e privadas permitiram ao Observatório do Código Florestal identificar que os déficits tanto de Reserva Legal (RL), quanto de Áreas de Preservação Permanente (APPs) estão extremamente concentrados e que ainda existem territórios tradicionais não cadastrados, – ao todo ainda não foram cadastrados quase 135 milhões de hectares em grande parte ocupados por esses territórios.
As imagens aqui apresentadas demonstram a concentração dos passivos de RL e APP.
O não cadastramento de territórios tradicionais gera risco a seus ocupantes. Por outro lado, a concentração dos passivos pode ser utilizado como filtro para a priorização das análises, reduzindo drasticamente o número de imóveis a serem avaliados com um maior nível de detalhamento. Os imóveis regulares, aproximadamente 65% dos inscritos, ou aqueles que possuem poucos déficits (90% dos que tem déficit, na Mata Atlântica, por exemplo), podem ser avaliados quando os estados dispuserem de melhores imagens de satélites, mapas de hidrografia, recursos humanos e softwares mais potentes.
Uma via possível para os imóveis sem passivo ou com pouco passivo é a validação automática pelo chamado CAR 2.0. O sistema, baseado na ciência e adotado de forma pioneira pelo Pará, acelera o processo de validação por meio de algoritmos de modelagem espacialmente explícitos de última geração juntamente com dados de sensoriamento remoto em alta resolução. O Governo federal pode expandir o
CAR 2.0 para os demais estados.
Contudo, é extremamente importante que o Governo Federal estabeleça áreas prioritárias para a inscrição de territórios tradicionais e para a implementação dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs) em áreas com grandes déficits de APP e RL e que estimule os estados e estimular que os estados e o Distrito Federal a adotarem a lista na execução das ações de implantação do Código Florestal. A próxima ação listada pelo Observatório do Código Florestal visa justamente fomentar essa adoção.
4. Criação linha de financiamento no Fundo Amazônia para os estados que adotem a priorização definida pela União
Os estados e o Distrito Federal precisam de suporte financeiro tanto para o cadastramento de territórios tradicionais, quanto para a validação do CAR e implantação dos PRAs. Assim, para fomentar a adoção da priorização definida pela União e subsidiar os estados na análise e implantação dos PRAs, garantindo o aprimoramento do uso de softwares, geração ou aquisição de dados, treinamentos, vistorias de campo, quando necessárias, deve ser criada uma linha de financiamento específica no âmbito do Fundo Amazônia.
5. Diálogo imediato com o Congresso Nacional para garantir a estabilidade do Código Florestal e da Lei da Mata Atlântica
Desde sua edição, diversos Projetos de Lei e Medidas Provisórias vulnerabilizam a proteção legal da vegetação nativa estabelecida pelo Código Florestal, inclusive com alguns êxitos, como a definição da competência dos municípios para a definição de limites mínimos para as APPs, mesmo que inferiores aos definidos pelo Código Florestal. Atualmente, quase 20 projetos de lei tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado, com o potencial de permitir o desmatamento de, no mínimo, 22 milhões de hectares, além da regularização de desmatamentos ilegais. Só em 2022, cinco propostas avançaram com força sobre a Lei. A Lei da Mata Atlântica também é alvo de Projetos de Lei que tentam reduzir a proteção florestal, sob pretexto de prevalência do regramento disposto pelo CF.
O cenário de instabilidade jurídica a que esses instrumentos legais são submetidos fragiliza a proteção das vegetações naturais, desestimula o cumprimento da norma e investimentos, confere uma imagem negativa das commodities agrícolas brasileiras para os consumidores internacionais e favorecem o aumento do desmatamento ilegal.
A legislação pede que seja mantida vegetação natural em imóveis privados e ao redor de cursos d’água, nascentes e outras […]
Dados inéditos são do Termômetro do Código Florestal, divulgados nesta quinta-feira, dia 5 Previsto pelo Código Florestal, o nível de […]
Documentário filmado durante expedição promovida pelo Observatório do Código Florestal apresenta panorama de comunidades tradicionais e agricultores familiares no bioma […]
Estudo feito pelo CCCA mostra como o Cadastro Ambiental Rural é alterado para permitir a destruição de milhões de hectares […]