Cadastro Ambiental Rural tem sido usado ilegalmente como documento fundiário por fazendeiros e grileiros para justificar a invasão de terras e expulsar moradores rurais. Ainda assim, parlamentares pressionam para a aprovação do PL da Grilagem.
18 de fevereiro – Na última quinta-feira (10) a violência no campo se mostrou mais uma vez um problema contundente e presente na vida dos moradores rurais. Desta vez em Barreiros (PE), a vítima foi uma criança de apenas 9 anos. Jonatas dos Santos, filho de um líder do engenho Roncadorzinho, estava escondido embaixo da cama de onde foi arrancado e assassinado na frente dos pais, por pistoleiros que invadiram a casa onde vivia com a família. O pai do menino também foi atingido com os disparos, porém sobreviveu. De acordo com lideranças de entidades ligadas à defesa dos trabalhadores rurais, o local onde o crime aconteceu é um território que sofre com as disputas de terra.
A morte de Jonatas choca ainda mais por não ser um caso isolado: de acordo com um relatório divulgado em 2020 pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), o número de ocorrências registradas no ano de divulgação do relatório foi de 1.576, envolvendo 171.625 famílias. Os números não eram tão altos desde 1958, quando o relatório começou a ser publicado.
Veja a seguir outros dados do relatório da CPT:
Ainda de acordo com registros da Comissão Pastoral da Terra, identificam como os principais tipos de violência rural a invasão de terras, a grilagem e o desmatamento ilegal.
O CAR (Cadastro Ambiental Rural), um dos principais instrumentos da legislação ambiental do Brasil, se bem implementado e utilizado, é excelente instrumento de geopolítica, inclusive para garantia de direito de acesso à terra para povos e comunidades tradicionais. Contudo, tem sido usado de forma ilegal para embasar as invasões de terra e pressionar pequenos agricultores e comunidades tradicionais. O uso do cadastro como documento para regularização de propriedades é explicitamente proibido pelo Código Florestal (art.29. § 2º), porém fazendeiros e grileiros têm se aproveitado das brechas do sistema.
Outros instrumentos legais, idealizados para a implantação de políticas ambientais e sociais, já foram desvirtuados e usados para objetivos escusos. A culpa não é do instrumento, mas da falta de repressão ao seu uso indevido, bem como a promessa de titulação do imóvel, com fundamento nesse documento.
Com isso, as sobreposições de inscrições no CAR se tornaram um problema. há 9.901 registros de proprietários privados sobrepostos em territórios indígenas, de acordo com um levantamento feito em 2020 pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal; como esses cadastros são auto declaratórios, a inscrição fica ativa até o momento da análise, que nesses casos são cancelados, porém a análise ainda é lenta. Com os territórios tradicionais, o problema é ainda pior, como não tem condições técnicas ou acesso à tecnologia necessária, a maior parte das áreas não foram cadastradas. Os cadastros deveriam ser feitos pelo Poder Público, que, contudo, ainda não conseguiu finalizar o trabalho. Esse fato acaba incentivando o uso indevido do CAR, uma vez que são cadastrados imóveis privados em sobreposição a territórios tradicionais ainda não cadastrados, e ainda estimulando ações como o assassinato do Jonatas.
Em reportagem ao G1 em agosto de 2021, Roberta del Giudice, secretária executiva do Observatório do Código Florestal, falou sobre essa questão de análise e verificação das inscrições do CAR, uma vez que o cadastro fica ativo sem ter sido analisado e só após essa verificação ele pode ser suspenso ou cancelado. Ela ainda reforça que, “esses são os status do CAR. Somente a inscrição no CAR inclui os ativos e pendentes, excluindo apenas o CAR cancelado”.
A reportagem em questão discorria sobre a redação final do PL 2.633, apelidado por ambientalistas de “PL da grilagem”, uma vez que pequenas e médias propriedades que tiveram a inscrição efetivada no CAR seriam eximidas de vistoria, abrindo margem para ações como as descritas neste texto.
Mas nem mesmo as barbáries no campo são capazes de frear o avanço da proposta do PL 2.633. O colunista Lauro Jardim noticiou ontem (17), em seu blog em O Globo, que o Senador Álvaro Dias “tem pressionado Jaques Wagner, presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, para que o texto do projeto de lei da Grilagem seja posto logo em votação”.
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Leia o artigo de opinião da Folha sobre o assunto:
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