Além de postergar pela 6ª vez os Programas de Regularização Ambiental, a medida ainda inclui pontos que ameaçam a Lei da Mata Atlântica e as áreas de beira de rios das cidades
Áreas desmatadas há mais de 15 anos em desconformidade com o Código Florestal terão que aguardar mais alguns anos, segundo o texto da Medida Provisória (MP) 1.150 aprovada nos últimos dias de março na Câmara dos Deputados.
A MP 1.150, que foi herdada da gestão anterior, de Jair Bolsonaro, ainda incluiu nos últimos momentos “jabutis”, matérias que não têm relação com o texto base da medida, abrindo brechas para desmatamento na Mata Atlântica e de áreas de preservação permanente (APPs) em beiras de rios nas cidades.
O texto inicial da MP prorrogava pela sexta vez o prazo para o início dos Programas de Regularização Ambiental (PRA), um dos instrumentos estabelecidos no novo Código Florestal (Lei 12.651 de 2012). De acordo com o texto, o proprietário ou possuidor do imóvel rural teria 180 dias para aderir ao PRA após ser convocado pelo órgão competente estadual ou distrital.
Segundo a Secretária Executiva do Observatório do Código Florestal, Roberta del Giudice, o texto proposto já era muito preocupante. “Entendemos que era necessária uma prorrogação, pois o prazo havia vencido, ainda com baixa adesão. Mas, da maneira como o texto foi escrito, o prazo fica em aberto e a restauração pode nunca acontecer, uma vez que não existe prazo para a convocação. O texto aprovado ficou ainda pior.”
O Código Florestal estabelece que os produtores rurais que desmataram até 2008 não seriam autuados, caso fosse realizada a inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e no PRA, com objetivo de regularizar as suas propriedades. Sendo assim, com a mudança trazida pela MP, a regularização de imóveis que estão irregulares há mais de 15 anos será adiada.
Roberta del Giudice alerta para a quantidade de vezes que o prazo para a adesão é adiado, destacando que sua vinculação à convocação pelo órgão competente representa uma barreira para a implantação da lei. “Existe um desrespeito aos prazos e há uma morosidade dos governos federal e estaduais, bem como dos proprietários e possuidores em implantar Lei, o que independe de adesão ao PRA” (art. 66 da Lei nº 12.651, de 2012).”
Ainda, segundo análise do Observatório do Código Florestal, a postergação deste prazo impacta diretamente a regularização ambiental de quase 20 milhões de hectares (ha) de déficit de vegetação natural, segundo dados do Boletim Informativo do Balanço do Código Florestal. A restauração dessas áreas tem potencial estratégico para o cumprimento dos compromissos firmados pelo país no Acordo de Paris pois, no Brasil, a maior parte das reduções nas emissões deveria resultar da contenção do desmatamento ilegal e da restauração de 12 milhões de ha de florestas.
Contudo, ao chegar na Câmara dos deputados, o texto aprovado sofreu diversas alterações, postergando ainda mais o prazo para o início da restauração e abrindo mais brechas para o desmatamento
O que diz o novo texto aprovado
— Aumento do prazo do CAR e do PRA
O texto impõe a análise, identificação dos passivos e convocação pelo órgão competente para a adesão ao PRA e confere ao produtor rural mais 1 ano, após a convocação, para aderir ao PRA. Assim, a convocação não tem prazo para acontecer e o prazo para o produtor rural só começa a contar dessa convocação.
Ainda, o prazo para acesso às anistias foi adiado por mais 1 ano, por meio da inscrição no CAR até dezembro de 2023 para imóveis maiores de 4 módulos fiscais, ou até dezembro de 2025, para imóveis menores de 4 módulos ou familiares.
A secretária executiva do OCF, Roberta del Giudice, explica que, com o novo texto aprovado na Câmara, não há um prazo real para que os produtores comecem a recuperar as áreas desmatadas ilegalmente e que será quase impossível ao Brasil cumprir efetivamente com suas metas de restauração.
“A regularização dos imóveis (que envolve recomposição, regeneração de APP e RL ou compensação de RL) só ocorrerá após o produtor rural aderir efetivamente ao PRA. Aproximadamente, apenas 0,6% dos CAR foram analisados, o que demonstra que a implantação da norma florestal está longe de acontecer e ficará ainda mais caso a MP seja convertida em Lei com o texto aprovado na Câmara”, diz.
Para Wigold Schäffer, ambientalista, conselheiro e fundador da Apremavi, “é evidente que a MP mais uma vez beneficia quem não cumpriu a lei e dificulta o trabalho de quem segue a legislação e trabalha pela conservação e restauração dos ecossistemas, além de trazer novas inseguranças jurídicas”.
— Desmonta a Lei da Mata Atlântica
As emendas inseridas na medida alteram a Lei da Mata Atlântica, abrindo brechas para mais desmatamento no bioma já devastado. Agora, não será mais necessário verificar se existem alternativas para a localização de um empreendimento linear para não impactar a vegetação primária ou secundária. Assim, para a execução de uma obra, áreas mais biodiversas e que prestam o maior número de serviços ambientais poderão ser desmatadas.
O texto da MP estabelece também que não é necessário obter parecer técnico do órgão ambiental estadual para desmatar a vegetação da Mata Atlântica no estágio médio de regeneração em áreas urbanas. Desta forma, a análise fica a cargo do órgão ambiental municipal. Ainda, reduz as medidas compensatórias pelo desmatamento no bioma e permite que essas sejam realizadas em Áreas de Preservação Permanente.
— Fragiliza as APPs urbanas e a biodiversidade
No caso das APPs, foram eliminadas as exigências do Código Florestal para o seu uso e ocupação em áreas urbanas nas margens dos rios, o que já vem causando sérios danos econômicos, ambientais e sociais, com perdas de vidas todos os anos no país. Os limites mínimos, agora retirados, já haviam sido reduzidos em 2012, pela Lei nº 14.285, de 29 de dezembro de 2021.
— Retira zona de amortecimento das UCs urbanas
Retira a necessidade de zona de amortecimento nas Unidades de Conservação urbanas, o que antes cabia ao órgão regulador definir as zonas de amortecimento no entorno de áreas que precisam ser protegidas. A zona de amortecimento tem como função proteger o ecossistema e os recursos naturais existentes na área, permitindo a integração da unidade de conservação com a cidade.
Sobre o Programa de Regularização Ambiental (PRA)
A nova Lei Florestal concedeu diversas anistias para aqueles que não cumpriram a lei anterior (Código Florestal, Lei nº 4.771/65), que representam em torno de 41 milhões de hectares de vegetação nativa que deveriam ter sido restaurados. Apesar da grande redução da área a ser recuperada, aproximadamente 20 milhões de hectares ainda precisam de adequação. Para isso, os imóveis rurais com déficit de Reserva Legal (RL) e APP e que desmataram até 2008, a nova Lei Florestal estabeleceu regras de transição, as quais permitem a adaptação das propriedades rurais aos termos da Lei, por meio de um processo que inclui o Cadastro Rural Ambiental, a adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), a assinatura e implantação do Termo de Compromisso e, por fim, a adequação do imóvel.
O PRA é, um conjunto de ações a serem desenvolvidas por proprietários e posseiros rurais com o objetivo de adequar e regularizar o imóvel que possui áreas desmatadas sem estar em conformidade com a Lei antes de 02 de julho de 2008. A regularização pode ser feita por meio da recuperação ou compensação de áreas de preservação permanente ou reservas legais.
Desde que inscritos no CAR dentro do prazo legal, o PRA dá direito aos proprietários de imóveis a continuarem com atividades agrossilvipastoris em parte das áreas consolidadas em APPs e a compensar suas RLs. Além disso, os proprietários não poderão ser autuados por infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008, relativas à retirada irregular de vegetação em Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito.
Com a alteração proposta, o prazo para se inscrever no CAR e acessar os benefícios do PRA, foram estendidos. O processo de adesão ao PRA não terá mais prazo determinado para acontecer, o que se dará somente após a análise do CAR, e um ano da convocação do produtor rural.
A MP vai para votação no Senado, e caso seja alterada, retorna para análise e nova votação na Câmara dos Deputados.
Para participar da consulta pública sobre a MP, acesse o link do site do Senado.
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