Por Simone Milach*
Alteração busca beneficiar grandes propriedades rurais que não cumprem o Código Florestal.
Está em tramitação na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei (PL) para retirar o estado do Mato Grosso da Amazônia Legal. O PL 337, de 2022, tem o objetivo de reduzir significativamente as áreas protegidas nas propriedades rurais. Com a exclusão do Mato Grosso da Amazônia Legal será possível legalizar o desmatamento para expandir as áreas de produção.
O Observatório do Código Florestal avaliou a proposta. A Nota Técnica aponta que o PL desafia a Constituição brasileira, pois busca a diminuição direta dos padrões de proteção ambiental. Além disso, desconsidera os compromissos assumidos pelo Brasil de redução do desmatamento e combate às mudanças climáticas e ainda ameaça as relações comerciais com a União Europeia, o Reino Unido e os Estados Unidos.
O desaforo à Constituição e aos brasileiros vem com uma justificativa bem sincera: retirar o Mato Grosso, estado líder na produção agropecuária, mas também líder em falta de Reserva Legal no país, das suas obrigações de cumprir a Lei. Segundo o texto do projeto, “o custo econômico para recuperação das reservas legais, ou para compensação dessa imensa área, seria muito grande e injustificável para uma das regiões agrícolas mais importantes do país”. Retirar o estado da Amazônia Legal reduziria essa exigência ao piso de 20%, poupando os produtores mato-grossenses das despesas necessárias à manutenção de até 80% de terras sem uso agropecuário”.
Mais sincero que a justificativa do PL é o desejo obsessivo de querer perpetuar o velho país das oligarquias, enriquecendo ainda mais os mais ricos, custe a quem custar, e onde a Lei não vale para todos. Conhecendo o histórico de alguns políticos, é sempre bom perguntar quais são as reais intenções: 1) Quem são os produtores que desmataram ilegalmente e que agora deputados se esforçam para lhes dar isenção nos custos de recuperação dessas áreas? 2) O que significa de fato “até 80% sem uso agropecuário”?
Sobre quem são os maiores beneficiados pela proposta – Os produtores mato-grossenses, que serão beneficiados, não são a maioria, mas principalmente uma minoria de grandes proprietários. Isso porque os grandes déficits de Reserva Legal estão concentrados nos grandes imóveis, segundo o estudo “A quem interessa a MP 867 do Código Florestal?”. A análise englobou 3,5 milhões de imóveis rurais brasileiros e demonstrou que 96% dos imóveis já cumpriam com os requisitos do Código Florestal. Olhando detalhadamente os 4% que não cumpriam, pode-se observar que a concentração do descumprimento está em imóveis grandes de alguns estados. Por exemplo, apenas 2.889 das grandes propriedades do Mato Grosso respondem por 1,38 milhões de hectares de déficit de Reserva Legal.
Dando essa “isenção legal”, o pequeno grupo de grandes proprietários ganha, a curto prazo, uma vantagem competitiva desleal, prejudicando os ganhos de todos os outros proprietários rurais do Estado que cumprem a Lei, mas prejudicam também a eles mesmos no longo prazo, pois o desequilíbrio ambiental gerado não fica restrito às cercas de arames.
Sobre os até 80% sem uso agropecuário – A Reportagem da Revista Piauí “Reserva Legal, uma ilusão Amazônica” mostrou que graças a brechas no Código Florestal, a maioria dos fazendeiros não é obrigada a preservar 80% de suas terras. Segundo a reportagem, uma análise de 389 mil imóveis na Amazônia revelou que, na prática, apenas 22,75% dos imóveis estão obrigados a manter a floresta de pé em 80% de sua área”. No Mato Grosso, especificamente, apenas cerca de 2.700 imóveis pequenos e 4.700 imóveis grandes teriam a exigência de manter 80% da mata nativa.
Contudo, manter 80% da mata nativa não significa que a área é improdutiva comercialmente, mas que pode ser explorada de forma sustentável. Na prática, isso quer dizer que não é permitido desmatar para plantar soja, mas é possível explorar madeiras nativas e outros produtos florestais não madeireiros. O interessante é que estudos têm demonstrado que, quando comparados aos rendimentos de outras atividades agropecuárias tradicionais, essa exploração pode apresentar lucros ainda maiores. Isso é o que está no artigo “Reserva Legal pode ser boa oportunidade de negócios em propriedades rurais”. Segundo a pesquisa, além do lucro essa exploração ainda é mais vantajosa pois se mantêm ao longo do tempo, diferentemente do uso de pastagens extensivas em várias regiões amazônicas, as quais não sustentam níveis satisfatórios de produtividade pouco tempo após a conversão da área.
Talvez um dos maiores problemas desse projeto seja a consequência em larga escala. A Lei estipula a necessidade de se ter uma porção da propriedade rural preservada, para que se possa manter o equilíbrio do meio ambiente, com solo produtivo e com um regime de chuvas adequado para produção e para sobrevivência de toda população. Retirando a proteção legal das matas, os prejuízos não ficam com quem desmatou, mas ultrapassam as fronteiras da propriedade rural afetando a todo país e ao próprio agronegócio.
Na última quinta-feira (10), a CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) divulgou em live, dados do boletim do 6º levantamento da safra de grãos de 2021/2022. O boletim mostra que, em relação aos índices anteriores de fevereiro, houve uma perda na produção de 0,9% sobre o volume estimado. O principal fator indicado para essa perda foi a forte estiagem ocorrida nos estados da região sul brasileira, no centro-sul do Mato Grosso do Sul, impactando sobretudo a produção de soja e milho. Além disso, houve ainda uma redução de 217,7 mil toneladas da safra de arroz, decorrente da falta de água para irrigação e das altas temperaturas, principalmente no Rio Grande do Sul. Sobre a perda da safra da soja, o número foi de 2,7 milhões de toneladas.
Segundo estimativas do Comitê Técnico do Observatório do Código Florestal e dados publicados na Nota Técnica formulada por pesquisadores da UFMG, que avaliam os impactos da aprovação do PL, no mínimo, 10 milhões de hectares de mata nativa seriam legalizados para o desmatamento e 3 milhões de hectares não precisariam mais ser restaurados. Aparentemente um bom negócio para o grande produtor, só que não. O estudo também simulou as perdas econômicas em termos de serviços ambientais, o que resultou na redução de chuvas, que caem sobre o agronegócio, e emissão de gases de efeito estufa na ordem de 5 GtCO2. Em termos de produtividade agrícola, esses valores podem ser convertidos, somente no Mato Grosso, em perdas na ordem de US$ 2.7 bilhões anuais devido à redução da produtividade agrícola.
Com todo esse contexto e conhecimento disponível, os devaneios de alguns legisladores são preocupantes. O Bioma Amazônia compõe cerca de 50% do território de Mato Grosso, fornecendo para o Estado toda uma riqueza de biodiversidade, chuvas e qualidade de solo para a produção rural. Como seria possível dizer que o Mato Grosso não é mais Amazônia? É como querer dizer que uma moto é uma bicicleta, só para se livrar do IPVA, mas continuando a ter os benefícios produtivos de ser uma moto.
Só que esquecem que os benefícios de ser Amazônia Legal não se restringem ao patrimônio natural. Fazer parte da Amazônia Legal representa também uma série de incentivos econômicos, além de uma identidade cultural. Segundo Nota Técnica do Observa-MT as implicações econômicas da aprovação do PL vão desde a perdas na
redução do imposto de renda de pessoas jurídicas (IRPJ), no direito do reinvestimento concedidos pelo Governo Federal, até a impossibilidade de acessar recursos não reembolsáveis para a conservação dos recursos naturais e para o fomento do trabalho de pequenos produtores, povos indígenas e comunidades tradicionais.
Com olhos apenas para o latifúndio, a proposta do PL não considera todas essas perdas para as empresas, para os pequenos proprietários e para as comunidades tradicionais. A Amazônia Legal tem quase oitenta anos e foi instituída pelo governo brasileiro como forma de planejar e promover o desenvolvimento social e econômico dos estados da região. Retroceder em um país que carrega na sua bandeira a palavra progresso e que estima os valores da família é uma afronta ao povo brasileiro e principalmente aos produtores familiares do Mato Grosso.
* Gerente de comunicação do Observatório do Código Florestal
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