O estado de São Paulo tem sido pioneiro na implementação do Código Florestal, inclusive com a elaboração de um sistema estadual de regularização ambiental, com possibilidade de servir de exemplo e incentivo aos demais estados, principalmente, na adequação das propriedades rurais e na proteção dos remanescentes florestais – com destaque para os de Áreas de Preservação Permanente (APPs) – e dos recursos hídricos.
Apesar disso, o Programa de Regularização Ambiental (PRA), que é um importante instrumento do Código Florestal ao permitir a regularização dos passivos ambientais dos imóveis cadastrados, vem apresentando falhas em São Paulo.
No entendimento do Ministério Público (MP), a Lei Estadual que regulamenta a aplicação do novo Código Florestal em São Paulo inviabiliza a recuperação do entorno de rios e nascentes, comprometendo as soluções para a crise hídrica que atingiu o estado recentemente. Esse é um dos motivos que levaram o Ministério Público (MP) a propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), conseguindo uma liminar do Judiciário suspendendo sua eficácia.
Para promovermos uma reflexão sobre o tema, conversamos com Roberto Resende, da Iniciativa Verde, Roberta del Giudice, do iBVRio e Luis Fernando Guedes Pinto, do Imaflora – entidades que integram o Observatório do Código Florestal (OCF) – e com Aurélio Padovez, do WRI, instituição que faz parte do movimento Mais Florestas PRA São Paulo*.
Fragilidades do PRA em São Paulo
Roberto Resende, da Iniciativa Verde, enxerga a suspensão com bons olhos. Entre os entraves que precisam ser revisados, são apontados o fato de que, como estava, a lei previa uma anistia difusa para a recuperação de Reservas Legais, ao não reconhecer a proteção dada por leis mais antigas ao Cerrado e à Mata Atlântica, além de um prazo de até 20 anos para recuperar Áreas de Preservação Permanente (APPs), como as matas ciliares. Esse prazo era o mesmo também para a compensação de áreas de Reserva Legal.
Resende acredita que o Programa de Regularização Ambiental de São Paulo desrespeitou tanto a constituição quanto a Lei Florestal ou o chamado novo Código Florestal, publicado em 2012. “A medida flexibilizou ainda mais os requisitos para proteção e recuperação de APPs e Reservas Legais e criou incertezas sobre a aplicação da lei. Dessa forma, a suspensão da vigência e eficácia dessa lei pode ser vista como uma oportunidade de ajustes em seu regulamento”.
Ele destaca que o PRA de São Paulo “permite a revisão de limites de reservas legais e dos termos de compromissos ou instrumentos similares para a regularização ambiental do imóvel rural firmados sob a vigência da legislação anterior. E, apesar de ser uma lei sobre a regularização de imóveis rurais, ela permite a regularização de APPs urbanas”.
Vale lembrar que essa lei e seu decreto de regulamento atribuem várias funções, inclusive normativas, à Secretaria de Agricultura do Estado, órgão que não faz parte do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA.
Aurélio Padovezi, do WRI, também vê a suspensão de forma positiva. Para ele, o processo de construção desta norma foi malconduzido e pouco participativo; o que resultou numa legislação que deixa margem para manobra de regras menos restritivas do que a legislação federal (Lei 12.651/12), violando o princípio de vedação do retrocesso ambiental.
“Esta é uma oportunidade para aprimorarmos a normativa e resgatar seu princípio e base legal que, assim como a Lei 12.651/12, deve reger as regras para a proteção da vegetação nativa no Estado”, defende.
Aurélio destaca ainda que essa notícia pode contribuir para garantir que a regulamentação paulista esteja alinhada com a legislação federal e, além disso, para que o PRA seja um instrumento para promoção do aumento de cobertura de vegetação nativa no estado de São Paulo – gerando emprego e renda na cadeia de valor da restauração florestal e melhorando a qualidade de vida dos paulistas pela manutenção e melhoria de serviços ambientais promovidos por florestas e cerrados.
Luis Fernando, do Imaflora, comenta que a vegetação nativa de São Paulo é distribuída de maneira muito desigual no Estado. “Precisamos de um PRA inteligente e sofisticado, que integre as dimensões de planejamento de uso da terra, serviços ambientais e incentivos econômicos. Para isso, é necessário participação e transparência na definição do PRA, com base na fronteira do conhecimento científico para a produção agropecuária, restauração florestal e planejamento de paisagens. E este é outro grande diferencial paulista: temos as melhores condições para alcançar este objetivo, pois temos bases de dados, pesquisas e pesquisadores, sociedade civil e produtores organizados e riqueza suficientes para dar conta do recado”, destaca.
Para Roberta del Giudice, do iBVRio, o mais importante neste processo é garantir segurança jurídica para as atividades rurais e para a proteção do meio ambiente. “Afastar a vigência de regras inconstitucionais é fundamental para barrar o excesso de judicializações na aplicação da norma florestal, que impediriam a adequação ambiental dos imóveis rurais, a conservação da vegetação natural remanescente e a recuperação de áreas degradadas, garantindo o desenvolvimento de ações relacionadas com a crise hídrica”, afirma.
Além da importância da segurança jurídica, ela lembra que a suspensão não interrompe a aplicação do Código Florestal, nem o processo de adequação dos imóveis rurais aos seus termos.
Perspectivas
Espera-se que o recém nomeado Secretário de Meio Ambiente do Estado, Ricardo Salles, prossiga, juntamente com a Secretaria da Agricultura, em diálogo com a sociedade para a revisão do PRA e também para regulamentação de alguns pontos que merecem atenção:
Veja o que diz a lei Estadual, o Código Florestal e o Ministério Público e observe as principais divergências contidas na Lei nº 15.684, de 14 de janeiro de 2015 e argumentos:
Texto da Lei paulista | Texto do Código Florestal com comentários | Argumentos Ministério Público |
1. Confere 20 anos para a recomposição das Áreas Degradadas e Alteradas, seja pela regeneração natural, pelo plantio (recomposição) ou por meio de compensação (Artigo 9º, § 1º, 1 a 3). | O Código Florestal só admite o prazo de 20 anos para uma das formas de recuperação: a “recomposição”. As demais formas de adequação, regeneração natural ou compensação, deverão ser adotadas de forma célere (art. 66, I, II, III, e § 2o). | Fere princípio constitucional da proporcionalidade da proteção conferida à Reserva Legal e um ambiente mais frágil ambientalmente como a APP. Ainda, a antiga Lei Paulista previa o prazo de 5 anos para a recuperação de Áreas de Preservação Ambiental (§ 1º do art. 2º da Lei nº 9.989, de 21 de Maio de 1998, de São Paulo) e a legislação ambiental não pode retroceder em proteção. |
2. Prevê a revisão e adequação de termos de compromissos ou instrumentos similares para a regularização ambiental do imóvel rural, pela iniciativa exclusiva do proprietário ou o possuidor do imóvel rural. (Art. 12, §§ 1º, 2º, 3º e 8º, 1 e 2) | Termos de compromissos ou instrumentos similares são atos jurídicos perfeitos, que só poderiam ser alterados para aumento da proteção ambiental, pois tal alteração fere o direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Além de causar insegurança jurídica e ferir o princípio da vedação ao retrocesso em matéria ambiental. | |
3. Inclui a aquicultura entre as atividades de interesse social e considera a atividade de aquicultura pequena ou de pequeno porte desenvolvida em propriedade ou posse rural de até 4 módulos fiscais como de baixo impacto ambiental, para fins de intervenção em faixa marginal de proteção de cursos d’água (art. 17, § 2º). | Não inclui aquicultura entre as atividades de interesse social e vincula a especificação de novas atividades de interesse social ao Chefe do Poder Executivo federal (Art. 3º, IX, X, b e k; 8º; 9º). | A aquicultura não é uma hipótese de interesse social e somente poderia ser introduzida por ato do Poder Executivo. A inovação que viola a competência normativa da União em matéria ambiente e ofende ao princípio da vedação ao retrocesso em a matéria ambiental. |
4. Anistia aos proprietários ou possuidores de imóveis rurais que desmataram durante a vigência de leis antigas, em todos os biomas (art. 27, § 1º, 1 a 3). | Anistia para quem desmatou mais do que o permitido na Lei anterior em imóvel menor que 4 módulos fiscais, vedadas novas conversões para uso alternativo do solo (art. 67). Anistia para quem desmatou extensão maior do que a de sua Reserva legal, em observância a norma anterior, que assim o autorizava (art. 68). | Há uma interpretação equivocada de que os Códigos de 1934 e 1965 não se referiam a todo tipo de vegetação, mas apenas às “matas” ou vegetação arbórea, na qual dizem não se incluir o cerrado, reduzindo assim a proteção prevista na Lei federal. Tal posição já foi afastada e pacificada em jurisprudência, definindo-se que tais Códigos se referiam a todo tipo de vegetação natural. Além disso, pode-se verificar, por meio da interpretação sistemática, que o novo Código Florestal impôs a todos os imóveis rurais a obrigação de possuir uma Reserva Legal e expressamente dispôs quando permitiu alguma anistia, como é o caso do art. 67. |
5. Permite alterar a localização da área de Reserva Legal (art. 35, § 1º). | Veda a alteração da localização da Reserva Legal (art. 18). | Reserva Legal já averbada não poderá ter sua destinação alterada. Determinação da Lei federal que não pode ser alterada por lei estadual. |
6. Permite que projetos de loteamento elaborados com base na definição de áreas de preservação permanente prevista na legislação em vigor à época da implantação do empreendimento (art. 40 e parágrafo único). | Não contem tal previsão. | A Lei do PRA paulista dá vigência a norma já revogada ao permitir que a implantação de novos loteamentos urbanos siga hoje as APPs definidas na época do licenciamento ambiental e do registro do parcelamento do solo para fins urbanos. Tal fato é impossível na legislação brasileira e afronta ao princípio da vedação ao retrocesso em matéria ambiental. |
Fotos: Destaque: Isis Diniz/ Iniciativa Verde – Interna: Magno Castelo Branco/ Iniciativa Verde
O Observatório do Código Florestal (OCF) é constituído por uma rede de 23 organizações que compartilham do objetivo geral de monitorar a implementação da nova lei florestal (Lei Federal 12651/12) em todo o país, sobretudo o desempenho dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs) e de seu principal instrumento, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), de forma a gerar dados e massa crítica que colaborem com a potencialização dos aspectos positivos da nova lei e a mitigação de seus aspectos negativos.
Saiba mais: www.observatorioflorestal.org.br
O #MaisFlorestaPRASaoPaulo é um movimento de instituições, pessoas e coletivos que reconhecem a importância das florestas para a qualidade de vida dos paulistas e trabalham para que políticas públicas como o Programa de Regularização Ambiental do Estado (o PRA) viabilizem um real aumento à sua cobertura florestal. O movimento se iniciou em janeiro de 2016 quando um grupo de instituições e pessoas, insatisfeitas como os resultados e processo de construção deste Programa, se articularam para reivindicar maior transparência e objetividade nas normas de sua implementação.
Encontro reúne diferentes atores para debater soluções e desafios de proteção e restauração no bioma Conhecida como “Capital do Oeste” […]
Evento de escuta e diálogo com produtores e técnicos rurais vai debater desafios e soluções para a proteção da vegetação […]
Rede percorrerá regiões de Goiás, Bahia e Minas Gerais em agendas para debater a proteção do bioma Entre os dias […]
Atualmente na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) da Câmara dos Deputados, o PL nº 2.420/21 altera […]