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Observatório defende transparência
05 de março de 2018A regulamentação do Código Florestal, publicada com um ano de atraso, ainda não é suficiente para garantir o sucesso do seu principal instrumento, o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Na avaliação das instituições que formam o Observatório do Código Florestal, falta transparência, preparo nas esferas estaduais e municipais para implementar e fiscalizar o cadastro, além da insegurança jurídica permanecer.
Criado para registrar a situação ambiental de cada uma das mais de 5,4 milhões de propriedades do país usando georreferenciamento (coordenadas a partir de imagens de satélite), o cadastro tem a função de mapear e descobrir que proprietários rurais têm obrigação de restaurar vegetação nativa e obrigá-los a faze-lo, sob pena de perda de acesso a crédito rural a partir de 2017 e de recusa para licenciamento de atividades produtivas.
Se bem feito, o CAR pode mostrar quem desmatou ilegalmente e precisa recuperar florestas. Mas apesar de existir em outros países há muito tempo, o Brasil corre o risco de não conseguir fazer o seu com a segurança necessária para ter credibilidade. Ou pior, de não conseguir validá-lo. As análises e estudos apresentados no dia 23, em São Paulo, quando o Observatório do Código Florestal convidou especialistas de todo o país para um dia de balanço dentro da programação do Viva a Mata da Fundação SOS Mata Atlântica, formam um quadro preocupante.
Sigilo para grandes desmatadores
O governo federal ainda não está compartilhando as informações do SiCAR, um sistema de cadastro a partir de imagens de satélites, disponibilizado desde 06 de maio, no qual produtores dos estados que não têm CAR próprio declaram a situação de suas propriedades: “No Rio de Janeiro, o Ministério do Meio Ambiente informou ao governo estadual que o número de cadastros feitos até agora é bom, mas ainda não disponibilizou senhas ao estado, que não sabe quem são e quantos são os proprietários rurais inscritos”.
Os nomes dos proprietários cadastrados não serão divulgados e o acesso a estes dados será restrito, o que vai impedir que os nomes dos grandes desmatadores tornem-se públicos e dificultar a fiscalização da sociedade civil.
Situação nos estados
Através do sistema Inovacar de acompanhamento da implementação do CAR na Amazônia criado pela Conservação Internacional (CI) e de consultas aos estados através da Leis de Acesso à Informação, o Observatório do Código obteve informações de 17 estados. A conclusão é que “nenhum estado possui recursos humanos ou infraestrutura especificamente voltada para o CAR e que não estão se preparando para cumprir a legislação”, aponta Gabriela Savian, Coordenadora de Projetos da Conservação Internacional.
Em São Paulo, como o governo não criou o seu Plano de Regularização Ambiental (PRA), com as regras e prazos para quem vai precisar regenerar, replantar ou compensar áreas de vegetação nativa, a bancada ruralista apresentou um projeto de lei para o PRA que tenta flexibilizando ainda mais o Código: “Vinte por cento do território de SP é Cerrado e o projeto interpreta que o Cerrado, um bioma bastante degradado, não é protegido. Não traz critérios para a recuperação de bacias e tem um conceito dúbio do que é imóvel rural”, denuncia Roberto Resende, Presidente da OnG Iniciativa Verde, em campanha para impedir a aprovação do projeto.
Goiás já aprovou lei que limita a proteção do Cerrado a partir de 2006. Mário Mantovani, diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, acredita que é preciso mobilizar a sociedade: “Esta história da CNA (Confederação Nacional da Agricultura) de que o código florestal se reduzia a brigas de ambientalistas e ruralistas aniquilou a reação da sociedade. A mesma crise está acontecendo agora entre índios e produtores rurais”.
Virando o jogo
Como declarar o CAR não é tão simples – os desenhos das propriedades são realizados a partir de coordenadas de GPS, Mantovani acredita que sem preparo para auxiliar o cadastro nos estados “os pequenos, que são 80% dos produtores e têm só 20% das terras são justamente os que não vão ter o CAR reconhecido.
Mesmo vencida a barreira do acesso à ferramenta criada para fazer o CAR, a validação dele também é uma incógnita. Em São Paulo, por exemplo, já há mais de sete mil imóveis cadastrados, mas nenhum técnico trabalhando na validação, de acordo com Resende.
Para virar o jogo, “estamos tentando trazer alguns setores econômicos para tentar resgatar alguma credibilidade no processo”, explica Jean Timmers, Coordenador de Políticas Públicas do WWF-Brasil. Como explicou o gerente de Sustentabilidade da Cargill, Yuri Feres, que representou a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) no debate que se seguiu às apresentações, “temos acompanhado o desmatamento relacionado à soja há oito anos, mas nos faltam ferramentas e o CAR sozinho tem o potencial de ajudar muito na transparência do setor. Estamos comprometidos com isto e construindo com organizações parceiras como Greenpeace, IPAM, WWF e outras endidades uma nova agenda de governança da soja para a Amazônia”, afirmou.
O IPAM tem discutido dentro do Observatório do Código criar uma lista positiva dos produtores rurais com propriedades com mais de quatro módulos rurais, mais de 50% por cento de florestas e que não desmataram depois de 2008 (último ano em que multas por desmatamento podem ser anistiadas). Num levantamento preliminar no Pará cerca de 3 mil produtores estão nesta situação e cerca de mil têm mais de 80% de florestas. “Temos que separar o joio do trigo,” diz André Lima, assessor de Políticas Públicas do IPAM, “oferecendo a possibilidade de diferenciar entre o bom e o mal produtor”.
Advogados ambientais de entidades integrantes do Observatório também viram na regulamentação recém-publicada brechas que trazem insegurança jurídica. Uma delas é a possibilidade de revisão do compromisso de recuperação de áreas desmatadas ou degradadas já realizados para incorporar as anistias trazidas pelo novo Código. “O Supremo Tribunal de Justiça já havia firmado entendimento de que os acordos já feitos são atos jurídicos perfeitos e que a nova lei não pode retroagir para modificar seus termos. Apesar dos entraves e problemas apresentados, todos concordam que o Brasil já deveria ter um cadastro ambiental e saber o real tamanho de seu passivo ambiental: “A Inglaterra fez seu cadastro ambiental em 1048 para regular a caça”, lembra Roberta DelGiudice, advogada ambiental da BVRio. “E há quase mil anos, sem ter as facilidades tecnológicas disponíveis hoje.”, exemplifica.
Reprodução permitida, desde que citada a fonte.
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