Na programação do Brasil durante a 16ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica – COP16,realizada em Cali, na Colômbia, de 21 de outubro a 1 de novembro, grande destaque foi dado ao lançamento da nova versão do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, o Planaveg, que planeja reflorestar 12 milhões de hectares até 2030. Especialistas ouvidos pela Mongabay demonstraram otimismo com o posicionamento brasileiro, mas apontam desafios para recuperar essa área, maior que o território de Portugal.
Marcelo Elvira afirma que o Observatório do Código Florestal (OCF), onde atua como secretário-executivo, “está otimista com o novo Planaveg”, que considera resultado de um processo de construção coletiva liderado pelo Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). “A gente tem uma expectativa de que essa iniciativa possa deslanchar o Código Florestal”, afirma o ambientalista, que considera factível um impulso pela repercussão da COP16, embora aponte dilemas. “O Planaveg é uma direção. Mas essa não é somente uma iniciativa do governo federal, precisa dos governos estaduais também”, opina.
Como parte dos desafios, o Termômetro do Código Florestal indica que o passivo ambiental dessa legislação — ou seja, trechos de vegetação nativa em terras privadas que foram desmatados, mas que, pelo código, não deveriam ter sido — é de 20,7 milhões de hectares. São contabilizados, nesses casos, Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal. A maior parte, segundo o OCF, é de Reserva Legal, com 17,8 milhões de hectares degradados.
Rômulo Batista, porta-voz do Greenpeace Brasil, destaca como pontos positivos do chamado Planaveg 2.0 o processo colaborativo relacionado ao relançamento dessa política pública. “A atualização do plano envolveu diversos setores, incluindo governos, sociedade civil e setor privado, promovendo uma governança inclusiva e participativa”. Para ele, “o plano enfatiza a integração da restauração com o desenvolvimento socioeconômico, visando reduzir desigualdades e promover a segurança alimentar”.
Entretanto, Batista aponta desafios. “A execução do plano requer coordenação eficiente entre diferentes níveis de governo e setores, além de mecanismos financeiros robustos para viabilizar as ações propostas”. Além disso, avalia como centrais o engajamento e a participação ativa das comunidades locais para o êxito dessa iniciativa, “respeitando saberes tradicionais e promovendo benefícios diretos”.
Mauricio Bianco, vice-presidente da Conservação Internacional (CI-Brasil), afirma que “à medida que a gente está buscando novos parceiros para aumentar a escala [de restauração], [a organização] está contribuindo diretamente para o compromisso do Brasil pelo Planaveg”. “A gente tem modelos de restauração que são pilotos para fazer testes e modelos ligados ao mercado, com empresas privadas, para dar escala. Tudo isso impacta diretamente nessa política pública”, observa o executivo da organização ambientalista, que já atua com restauração no Brasil e durante a COP16 anunciou uma parceria com a re.green para a recuperar até 12 mil hectares na Mata Atlântica, na Amazônia e no Cerrado, mas com foco inicial no extremo sul da Bahia.
Durante a COP16, um time de pesquisadores brasileiros e estrangeiros publicou na revista Nature um estudo que aponta a importância da restauração florestal para o enfrentamento da crise climática e da perda de biodiversidade. A publicação identificou, em países com florestas tropicais, uma área de 215 milhões de hectares (maior que a superfície do México) com potencial de regeneração natural, cujos custos são mais baixos do que os da restauração florestal assistida. Desse total, 55,12 milhões se localizam em território brasileiro; uma área equivalente ao estado da Bahia.
Thiago Belote, especialista em Conservação do WWF-Brasil, avalia que “a primeira versão [do Planaveg] não avançou devido ao enfraquecimento significativo da agenda ambiental promovido pelo governo anterior”. Ele recorda que “espaços cruciais de tomada de decisão foram extintos ou enfraquecidos”, incluindo a Comissão Nacional para a Recuperação da Vegetação Nativa (Conaveg). O ataque à participação social, sobretudo em políticas públicas socioambientais, se deu pelo decreto 9.759 de 2019, o chamado “revogaço” do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Além disso, criou-se um ambiente de antagonismo entre organizações ambientalistas e proprietários rurais, enquanto a meta de 12 milhões de hectares da NDC [Contribuição Nacionalmente Determinada, na sigla em inglês] foi revogada. Essas ações dificultaram a implementação do Planaveg”, observa.
Apesar disso, o ambientalista menciona avanços “impulsionados pela sociedade civil, que, em parceria com segmentos do setor privado e governos subnacionais, fortaleceu e articulou coletivos de restauração, políticas estaduais e municipais, e iniciativas voluntárias em diversos biomas brasileiros”.
Houve, segundo ele, “um progresso significativo no monitoramento da restauração no Brasil, exemplificado pelo Observatório da Restauração e Reflorestamento, que já identificou 150 mil hectares em processo de restauração no país”. Tais esforços “concentraram-se em superar os desafios apontados na primeira versão do Planaveg, mantendo a meta de 12 milhões de hectares como referência”.
Servidores do MMA “desempenharam um papel essencial na continuidade do plano, mesmo durante a gestão passada, preservando, por exemplo, câmaras técnicas consultivas”. Isso possibilitou que “o novo governo restabelecesse uma governança participativa e reativasse a própria Conaveg, culminando em uma nova versão do plano, robusta, baseada em ciência e construída com a colaboração de diversos setores da sociedade brasileira”, conclui.
Para Gabriela Savian, diretora de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), “compromissos internacionais são fundamentais para impulsionar compromissos nacionais, mostrando uma posição política que vai além dos governos”, quando se trata das agendas de clima e biodiversidade.
No âmbito do financiamento internacional, ela opina que “a cooperação tem desempenhado um papel importante, mas ainda insuficiente para atender às demandas necessárias ao cumprimento dessas promessas”. Diante desse desafio, aponta para “a importância de inovação e da colaboração com o setor privado para o financiamento, em arranjos público-privados, canalizando recursos para ações prioritárias de conservação”.
Embora o nível de financiamento atual ainda não cubra todas as ações de conservação, recuperação e aumento da biodiversidade, a ambientalista considera que “o Brasil vem demonstrando que, para ampliar a oferta de recursos, é possível contar com uma variedade de mecanismos financeiros que viabilizem a canalização de fundos para ações de conservação, sejam provenientes da cooperação internacional ou do setor privado”. E aponta como aspecto positivo, durante a COP16, que o governo federal apresentou o TFFF [Fundo de Florestas Tropicais para Sempre na sigla em inglês] como um mecanismo inovador para conservar as florestas e compensar a manutenção das áreas preservadas.
Savian também enfatizou que o Brasil “tem liderado e participado ativamente de plataformas de compromissos políticos, em colaboração com países amazônicos e demais nações, em busca de captação de recursos”, papel proativo que considera “crucial para que o país mantenha seu protagonismo nas agendas internacionais, especialmente sobre clima e meio ambiente”.
Clóvis Borges, diretor da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), afirma que “o Planaveg é bem-vindo e pode representar uma ferramenta importante para a conservação da biodiversidade e combate às mudanças climáticas”, mas pondera que, como toda intervenção em situações de degradação natural, deve ter sua medida bem calibrada. Além disso, ressalta que “as fontes de recursos e os apelos de convencimento aos públicos envolvidos representam desafios adicionais e criticamente importantes a serem equacionados”.
Borges também alerta que, “partindo do objetivo maior que é a conservação da biodiversidade, cada bioma e cada ecorregião dentro de nossos biomas apresentam necessidades distintas de intervenção que cabem na definição de restauração”. E menciona que “territórios que ainda têm grandes porções de remanescentes bem conservados assimilam práticas de agrofloresta nas manchas já degradadas com uma medida positiva para a conservação”.
Ele apresenta como exemplo o caso da região costeira entre São Paulo e Paraná, “onde há grande proporção de áreas ainda bem conservadas e apenas manchas de áreas onde houve supressão, e o uso tem produção com baixo valor agregado”. Por outro lado, “territórios amplamente degradados demandam outras estratégias, como, por exemplo, ações de proteção dos fragmentos ainda existentes como prioridade máxima”.
“As intervenções de restauração não são uma receita única e, para terem resultados efetivos, devem estar baseadas em avaliações caso a caso em busca da melhor forma de avançar com uma intervenção que agregue valor para a conservação”, afirma Borges. Ele explica que o termo restauração serve para todos os estágios de conservação de áreas naturais já alteradas. “E, no caso do bioma Mata Atlântica, praticamente 100% de seus remanescentes apresentam diferentes graus de degradação. Ou seja, todos devem sofrer diferentes intervenções de restauração”.
Para o diretor da SVPS, tudo isso deve se somar a ações como o controle e a gestão destas áreas, como a retirada de espécies exóticas e a fiscalização contra caça e extrativismo ilegais, além do combate contra incêndios, dentre outras medidas.
Mariana Oliveira, gerente de Florestas do WRI Brasil, destaca que “planos e esforços ambiciosos, como o Planaveg, requerem investimento e compromisso político, e por isso, precisam de segurança jurídica e institucional”. Além do enfraquecimento da agenda socioambiental no Brasil nos últimos anos, ela opina que “foram tímidos os avanços na priorização de áreas para restauração e na alocação e alavancagem de recursos para sua implementação”.
Para ela, “aspectos como o engajamento e a representatividade dos diferentes setores e governos subnacionais, além da reativação da Conaveg, com a participação dos coletivos de restauração, trazem novos ares para direcionar o país rumo a uma transição justa que proteja e restaure seus ecossistemas”.
Concluída de forma confusa com uma suspensão pela ministra de Meio Ambiente da Colômbia, Susana Muhamad, por falta de quórum para as decisões finais no sábado, 2 de novembro, um dia após o prazo oficial, a COP16 foi a primeira conferência realizada depois de firmado o Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montreal (GBF, na sigla em inglês), em 2022, em Montreal (Canadá), durante a COP15, como desdobramentos de compromissos da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB).
Com 23 metas, esse acordo tem o objetivo de conter o processo acelerado de perda de biodiversidade global até 2030. Até lá, os países signatários têm como compromissos proteger pelo menos 30% dos ecossistemas marinhos e terrestres por meio de áreas protegidas. Esse desafio se relaciona à Meta 3, batizada de 30×30. Já a Meta 2 envolve o compromisso de restaurar pelo menos 30% de áreas degradadas no planeta.
Para fazer valer a implementação dessa agenda complexa, um dos temas centrais da COP16 envolvia as negociações sobre financiamento. A Meta 19 do GBF indica que instituições públicas e privadas, nacionais e internacionais, devem contribuir para manter o Fundo do Marco Global da Biodiversidade, gerido pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês) ao qual devem ser destinados pelo menos, 200 bilhões de dólares até 2030.
O acordo é de que até 2025 sejam levantados 20 bilhões anuais, além de 30 bilhões por ano até 2030, para que os países em desenvolvimento atinjam suas metas. Entretanto, para a frustração geral dos participantes, durante o evento foi estimado um caixa de menos de 500 milhões de dólares. Uma fonte do MMA destacou que mais 3 mil empresas participaram do evento e que não houve articulação do setor nesse contexto.
Mas alguns avanços foram destacados pelo governo brasileiro, dentre os quais o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), que conseguiu confirmar o apoio de cinco países — Alemanha, Colômbia, Emirados Árabes Unidos, Malásia e Noruega — para manter florestas tropicais de pé. Essa negociação que avançou em Cali será concluída na COP30 do Clima que o Brasil sediará em Belém, em 2025.
“O fundo TFFF oferece incentivos financeiros inovadores em grande escala para que os países em desenvolvimento conservem suas florestas tropicais úmidas, pagando anualmente um valor fixo por hectare de floresta conservada e restaurada”, afirmou a ministra Marina Silva, em evento no dia 28 de outubro com representações de países apoiadores desse fundo.
Uma das decisões mais animadoras para os movimentos sociais, que marcaram forte presença em Cali, foi a criação do órgão subsidiário indígena permanente para subsidiar tomadas de decisão pelo Secretariado da CDB, além do reconhecimento da importância dos povos afrodescendentes na conservação da biodiversidade. Para isso também foi criado o Fundo de Cali, pelo qual povos indígenas e populações locais serão remunerados pelo conhecimento tradicional sobre biodiversidade, como previsto no artigo 8(J) da CDB.
As conquistas são resultado da forte articulação de representações desses grupos na COP16, sobretudo pela demonstração de força com a criação do G9 dos povos indígenas da Amazônia. Essa nova potência social quer trabalhar de forma articulada para fazer valer seus direitos nessa região de grande importância socioambiental e cultural que envolve nove países, inclusive reivindicando a copresidência da COP30.
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