Os anúncios estão em toda a parte. De classificados de jornais a websites de varejo como OLX e Mercado Livre. “Vendo Área de Compensação Ambiental/Reserva Legal”, alardeia um deles, que traz uma foto de satélite (georreferenciada) de uma grande área verde. Fazem parte de um mercado que floresce antes mesmo de sua regulamentação: o de Cotas de Reserva Ambiental (CRAs).
Previstas no Código Florestal de 1964, mantidas no de 2012 e nunca regulamentadas, as cotas são consideradas uma saída inteligente para auxiliar na regulamentação do enorme passivo ambiental brasileiro. Cada cota corresponde a um hectare e elas podem ser criadas por proprietários rurais que tenham excesso de Reserva Legal (RL) – percentual obrigatório de vegetação nativa. E negociadas com produtores com menos área de Reserva Legal do que o mínimo exigido, para fins de compensação de déficit de RL.
A minuta de um decreto que regulamenta a criação de CRAs foi redigida no Ministério da Fazenda e enviada ao Ministério do Meio Ambiente para apreciação e o decreto deve seguir para o Palácio do Planalto para receber a assinatura da presidente Dilma Rousseff nas próximas semanas.
Transparência zero
O processo começou com consultas a instituições envolvidas na formação do mercado de CRAs no ano passado, realizadas pelo próprio Ministério da Fazenda. A interlocução com a sociedade civil foi interrompida, a minuta enviada ao MMA e apenas conversas informais se seguiram.
“Este tipo de regulamentação deveria ser feito com total transparência, com consultas públicas, Enquanto o governo discute a portas fechadas, o mercado se forma,” alerta Maurício de Moura Costa, presidente da BVTrade, plataforma de negociações da Bolsa de valores ambientais do RJ (BVRio). A BVTrade já cadastrou mais de dois milhões de hectares de áreas aptas a emitir CRAs em todas as regiões e biomas do país e negocia contratos futuros de venda das cotas.
Estimativas recentes do professor Britaldo Soares, da UFMG, que já levam em conta todas as flexibilizações e perdões concedidos pelo novo Código Florestal apontam para um passivo ambiental de 23,3 milhões de hectares no país. Sendo que 18,8 Mha estão em áreas de Reserva Legal que se encontram desmatadas ou degradadas e para se adequarem ao novo Código precisam ser reflorestadas, regeneradas ou compensadas via CRAs. Independente de quem seja o cálculo, a estimativa de passivo de RL é quase do tamanho do Paraná. E em princípio, a negociação de CRAs seria uma alternativa à perda de áreas produtivas, altos custos de reflorestamento e um estímulo para recuperar o passivo.
Plínio Ribeiro, diretor-executivo da Biofílica, empresa de gestão e conservação de florestas, que está realizado o Cadastro Ambiental Rural (e as compensações através de CRAs a serem emitidas no futuro) de 20 mil cooperados da Coopercitrus em São Paulo e Minas Gerais, afirma que “o mercado de CRAs é igual a qualquer outro. Funciona até na ausência de regulamentação”. Ele explica que quem começa antes, corre mais riscos, mas tem mais chances de fazer melhores negócios: “Quando o risco é maior, há mais condições de comprar áreas baratas”.
Como Costa, Ribeiro defende menos regulamentação e mais autonomia e concorda que uma consulta pública seria a melhor forma de decidir como será a regulamentação.
Os dois divergem no entanto, quando fazem previsões em relação ao futuro das CRAs como mecanismo de mercado para flexibilização da regularização ambiental. Se Costa aponta o artigo 47 do Código Florestal, que obriga o registro de CRAs em bolsas de mercadorias de âmbito nacional ou em sistemas de registro e de liquidação financeira de ativos autorizados pelo Banco Central, – leia-se Bovespa ou Cetip – como “um jabuti na árvore, sem conexão, benefício ou garantia para quem compra e quem vende”, Ribeiro considera que o registro não será um ônus tão grande, porque não haveria interesse em mercado secundário de compra e venda de CRAs.
Para ele, “as pessoas querem comprar e vender as CRAs e não pensar mais nisto, colocar a energia na produção. Não vai ser como um mercado de ações secundárias. Vai ser igual a arrendar uma área”. Vale ressaltar que as CRAs dão direito apenas à regularização do passivo ambiental de quem compra e que a responsabilidade pela manutenção da vegetação nativa, assim como a propriedade da terra, continua a ser do vendedor.
Outros pontos de consenso, não só entre a Biofílica e a BVRio, mas entre os membros do Observatório do Código Florestal, é que o mercado por si só não acrescenta nada. Ele precisa ser direcionado para ser um mecanismo de estímulo à conservação. A grande vantagem de incentivos como o que pode ser dado pelas CRAs é a redução dos custos de regularização. Já existem compradores de terras que não querem áreas com passivos. O vendedor precisa compensar. A alternativa às cotas é comprar uma outra área de RL. Mas isto pode ser uma tarefa quase impossível, dependendo do estado e do bioma. Áreas de cerrado em São Paulo, por exemplo, são bastante raras. “CRAs na Amazônia vão ser bem mais baratas que CRAs em cerrado paulista,” afirma Moura Costa, que divulga regularmente preços médios de CRAs por bioma através da BVRio.
Compensação em UCs
Apesar do mercado já existir, vários pontos sensíveis continuam sem definição. O novo Código Florestal prevê a criação de CRAs em posses, mas problemas fundiários poderiam prejudicar a credibilidade destas cotas. E se a criação delas não for permitida, é possível que o excedente calculado nas estimativas, seja bem reduzido. Também há indefinição sobre a possibilidade de compensar em outros estados. Um produtor de São Paulo poderá compensar o que lhe falta de cerrado em Mato Grosso ou Goiás, por exemplo?
Estas indefinições transformaram uma modalidade de compensação que em princípio é mais burocrática e potencialmente mais cara, numa alternativa segura: a de compensação de Reserva Legal em Unidades de Conservação. As cotas são criadas na totalidade de área de fazendas e posses desapropriadas para a criação de parques nacionais e estaduais e de reservas. Sem dinheiro para pagar a desapropriação, o governo permitiu a permanência do produtor rural. Através da compensação, o produtor pode finalmente receber para sair e se estabelecer em outra área. Quem compra se regulariza e o órgão de governo responsável pela administração da Unidade de Conservação ganha as CRAs como doação.
“A ausência de regulamentação está fazendo com que a regularização com áreas em Unidades de Conservação se tornem mais atraentes para os compradores,” diz Moura Costa.
Timing
Ribeiro acredita que, mesmo passados mais de dois anos da aprovação do Código e quase seis meses desde o início do prazo para o Cadastro Ambiental Rural de todas as propriedades do país, “é preciso ter tempo para se fazer uma discussão sadia sobre as cotas”. Ressaltando que quase todas as grandes e médias propriedades rurais têm passivos, ele defende a criação de “instrumentos, sejam de crédito, sejam fiscais, mas de instrumentos de políticas públicas que ajudem na implementação e na adesão destes produtores à regularização ambiental”. E sugere que os novos ministros da Agricultura e do Meio Ambiente coloquem entre seus primeiros atos uma declaração conjunta de apoio à implementação plena do novo Código Florestal: “Uma declaração sobre a importância do CAR e consequentemente das CRAs seria uma sinalização necessária”, acredita.
Mesmo que estime um mercado que varia entre 8 a 10 milhões de hectares para CRAs, Moura Costa vê riscos na demora e na falta de transparência e de consultas no processo de decisão da regulamentação: “A minuta inicial preparada pelo governo complica brutamente os procedimentos. O governo corre o risco de, ao invés de regulamentar o mercado, inviabilizá-lo. Se não for um estímulo, se não for simples, barato, compensador, quem precisa se regularizar vai fazer isto de outras formas”.
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