Entrevista: Valéria Maria Macoratti – “Nossa Fazenda”
Turismo de Base Rural é opção que gera renda e mantém as florestas em pé
No extremo sul da capital de São Paulo, saindo do grande “cinza” da cidade, está o bairro de Parelheiros, considerado patrimônio ambiental, localizado entre as Áreas de Proteção Ambiental (Apas) Bororé-Colônia e Capivari-Monos. A região abriga diversas nascentes, córregos e ribeirões, responsáveis por drenar água para as represas Guarapiranga e Billings, que abastecem um terço do município de São Paulo.
Parelheiros compreende remanescentes importantes de Mata Atlântica, mantendo grande parte de vegetação nativa do bioma, com biodiversidade preservada e área de produção agrícola. Acolhe também pessoas, que decidiram trocar a vida corrida para viver mais próximo da natureza, e que incentivam, por meio do turismo de base rural, que outros aproveitem um pouco desse patrimônio natural.
Essa é a história de Valéria Maria Macorati, 55 anos, proprietária do imóvel rural “Nossa fazenda”, localizado em Parelheiros. Em celebração ao dia mundial do Turismo, data estabelecida pela Organização Mundial do Turismo (OMT), o Observatório do Código Florestal (OCF) foi explorar e conhecer de perto o Turismo de Base Rural, que atua com a valorização e preservação do patrimônio natural e cultural enquanto promove a conscientização ambiental e o bem-estar das comunidades locais.
Em um percurso de 40 km, saindo de São Paulo, chega-se ao sítio, que integra o projeto de agroturismo “Acolhendo em Parelheiros”, projeto desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comuntário (Ibeac) em parceria com a Associação de Agricultores Acolhida na Colônia.
O espaço de 4 mil metros², Valéria divide entre as suas plantações e animais, como cães, gatos, coelhos, galinhas, gansos e jumentos. Para recepcionar quem chega, uma bananeira e um pé de mamona. A Nossa Fazenda possui duas casas, uma para morar e outra para os hóspedes. No trajeto pelo imóvel, o visitante se depara com peculiaridades como banheiro seco, biodigestor, e uma parte da propriedade tomada por Plantas Alimentícias Não Convencionais (Pancs) como a Ora Pro-Nóbis.
Além da agricultura, o sítio oferece o turismo de base rural, com atividades como minitrilha, visita à horta com análise da técnica de mandala, plantio, oficina de pintura com tinta de terra, estudo do meio, e reflexões acerca das diferenças entre o urbano e rural.
Andando pela propriedade Valéria ressalta que é “signo terra, uma mulher completamente ligada à terra” e conta um pouco sobre como se transformou em uma guia da natureza.
Como tudo começou?
Em 2007, eu e a Vânia, minha companheira, decidimos nos mudar para região, para cuidar dos nossos 15 cachorros de rua. Começamos na agricultura e amigos da região começaram a pedir algumas verduras, o sucesso foi grande. Fazendo cursos de agricultura orgânica e agricultura biodinâmica foi que descobri como os alimentos eram produzidos a partir da Revolução Verde, meu mundo caiu e vi que tinha bastante para aprender.
E como o turismo rural se tornou uma realidade no sítio?
Em 2012 fui contatada para receber os alunos de uma escola de São Paulo para conhecer a propriedade. Recebíamos as crianças com café da manhã, almoço e lanche. Com o aumento do número de visitantes, e por meio de uma rede de contatos, despertamos para a ideia de que Parelheiros tinha potencial para receber um projeto parecido com o “Acolhida na Colônia”, de Santa Catarina. O projeto do sul emprestava dinheiro a proprietários que estavam abandonando suas terras para que desenvolvessem o turismo rural nos imóveis.
Essa experiência mostrou a nós, agricultores de São Paulo, como podemos revolucionar a vida dos agricultores familiares. Parelheiros se tornou um polo de ecoturismo, o que contribui muito para o trabalho de preservação ambiental. A ideia não é torná-los donos de resorts, mas proporcionar uma renda extra para sustento. Para fazer parte da Acolhida em São Paulo, é necessário ser agricultor familiar orgânico, que não utiliza agrotóxicos e que tenha uma consciência ambiental.
Todos na região de Parelheiros têm essa consciência?
Parelheiros está localizado dentro de uma APA. Fazendo parte do conselho gestor, que administra a nossa região, a gente entendia que seríamos os protetores, mas estamos vivendo em meio ao descaso das autoridades públicas. Já segui caminhões carregados com toras de árvores, liguei para a polícia, forneci a placa do veículo, mas nada aconteceu. Eu disse, não quero ser uma Marielle [Franco].
Por aqui também colocam alguém dentro dos terrenos, descobrem a documentação, e com isso, entram com usucapião. Cercam o lugar, cortam as árvores, constroem casas e colocam placas de “vende-se”. 2Outro problema está nas Áreas de Preservação Permanente (APPs). Tratam como se fossem lixo. São áreas de preservação permanente, e não posso cortar uma árvore a menos de tantos metros, mas despejam esgoto nos rios e desmatam as árvores que protegem essas águas. No final, parece o Rio Pinheiros.
Vendo tudo isso, compensa manter a floresta em pé?
Meu coração deseja preservar mais um lar na mata. Eu gostaria muito de ter mais dinheiro para poder comprar todas as propriedades e impedir mais desmatamento. Quando comprei essa, e fui fazer o CAR (Cadastro Ambiental Rural), a mulher falou: “Está ficando muito mais verde.” Eu disse que sim, já plantei mais de 100 árvores, Araucária, Ipê, Castanha do Maranhão.
Fizemos o CAR pensando também em participar do PSA (Pagamento por Serviços Ambientais). Mas meu PSA não foi liberado pois disseram que minha propriedade não atendia ao tamanho mínimo.
E o que você perde por não ter aderido a este benefício?
Pelo que ouvi dá dor de cabeça. Era para ser um auxílio de 20 mil reais por ano, mas você precisa de tantos documentos e comprovar tanta coisa que se torna inviável. Então você é incentivado pela dificuldade, pelo caminho do desmatamento, mas não é o que eu vou fazer.
Parelheiros tem uma característica única: é uma verdadeira Amazônia dentro da cidade de São Paulo. Se for destruída, afeta o clima da cidade e de outros lugares. Não haverá água para abastecimento, pois um quarto da água de São Paulo vem de Parelheiros, das represas Billings e Guarapiranga.
Por: Anna Francischini
Edição: Simone Milach
Fotos: Anna Francischini
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