Se o novo Código Florestal tem um rosto no governo,ele é o do engenheiro agrônomo e florestal Raimundo Deusdará Filho. Nos últimos 18 meses, ele tem revezado terno e gravata com as botas de campo, numa maratona de reuniões. Seus interlocutores ora são pequenos agricultores rurais, ora são representantes da área de informática dos grandes bancos ou secretários de Meio Ambiente dos estados.
No posto de diretor do Departamento de Gestão Estratégica do Ministério do Meio Ambiente, Deusdará se encarrega dos preparativos da implementação do novo Código Florestal, a partir do lançamento do Sistema de Cadastro Ambiental Rural (SiCAR). A maioria dos estados (19) e o Distrito Federal aderiram à plataforma desenvolvida pelo ministério. Aqueles que já contam com sistemas próprios de cadastramento também deverão integrar os dados nessa plataforma. Vinte e dois mil CDs e pendrives com o aplicativo e as imagens de satélites de alta definição serão enviados às regiões que eventualmente não tenham acesso à internet para possibilitar o cadastramento das propriedades rurais e posses. Se os prazos previstos na lei que resultou na reforma do Código Florestal forem respeitados, a partir da edição de uma Instrução Normativa da ministra Izabella Teixeira, os mais de cinco milhões de imóveis rurais brasileiros obrigatoriamente terão sua situação ambiental registrada na plataforma do SiCAR em dois anos.
As preocupações de Deusdará não estão concentradas apenas no preenchimento do cadastro no prazo definido por lei. Sem a efetiva regularização dos passivos ambientais, argumenta, o simples cadastramento das propriedades terá eficácia limitada. Ele afirma que ainda são frágeis as estimativas sobre o tamanho da recuperação de vegetação nos imóveis rurais a ser promovida pelo que foi apresentado como “o maior programa de reflorestamento do planeta”. Deusdará estimula os proprietários de imóveis e posses a prestarem informações, chama a atenção para a demora dos estados em implantar os Programas de Regularização Ambiental (PRAs) e nega atraso por parte do governo federal na implementação da lei:
Observatório: O novo Código Florestal foi apresentado como o maior programa de reflorestamento do mundo. Um ano e nove meses depois de a lei entrar em vigor, quão próximos ou distantes estamos do que se falou em 2012?
Deusdará: Uma das grandes contribuições que o Cadastro Ambiental Rural vai dar é exatamente acabar com a perspectiva dos “achismos” e dizer quão grande será esse programa de recuperação ambiental. E não será apenas reflorestamento, porque há outras técnicas de prestar serviços ambientais e contribuir com a conservação da natureza. Uma das preocupações do Ministério do Meio Ambiente é exatamente fortalecer o CAR para termos a dimensão mais fiel dos passivos de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e de Reserva Legal.
OCF: Qual seria a estimativa mais confiável, hoje?
Deusdará: Os números da área a ser recuperada variam incrivelmente: de 20 milhões de hectares a mais de 40 milhões de hectares. Tudo o que se diga em relação a isso está se dizendo, no mínimo, de uma forma pouco científica. Por mais que você elabore parâmetros de análise, não há ainda dados suficientes para o conhecimento da realidade dos passivos de APPs e de Reserva Legal das propriedades e posses rurais em todo o Brasil. O cadastro é que vai permitir isso.
OCF: Pela inscrição no CAR será possível se aproximar dessa realidade e medir o tamanho do passivo ambiental das propriedades? Ou isso só será possível depois da fase de análise das informações?
Deusdará: O CAR, num primeiro momento, não afere, não avalia, não calcula. Mas gera um indicativo muito próximo da realidade. E além do indicativo, ele gera a possibilidade de verificar as informações. Na medida em que o proprietário ou posseiro declara um déficit, temos a possibilidade de checar se esse déficit é real e verificar se as ações que ele assumiu para sanar esse déficit estão, de fato, acontecendo, no sentido de regularização ambiental da propriedade. Sem essa informação, qualquer número que for colocado agora é um número frágil. É verdade que o Cadastro Ambiental Rural é declaratório, baseado nas informações prestadas no ato de inscrição. Mas é importante que os donos das propriedades rurais ou posses não tenham medo de declarar. Se eles omitirem informações ou declararem inverdades, deixarão de ter acesso às vantagens asseguradas pela lei, como a suspensão de multas e sua conversão em prestação de serviços ambientais, assim como a possibilidade de continuar obtendo crédito agrícola. O cadastro vem para promover segurança jurídica e a regularização dos passivos relacionados às Áreas de Preservação Permanente, Reserva Legal e áreas de uso restrito.
OCF: Qualquer que seja a dimensão da recomposição, haverá mudas suficientes?
Deusdará: Isso é outra preocupação primária. Me parece que as pessoas ficam muito preocupadas com a oferta de mudas. Não necessariamente vai haver plantio de mudas. Em alguns casos, até não plantar é bom, apenas deixar acontecer a regeneração natural. O código foi feliz ao prever a possibilidade de regeneração, da recuperação, da recomposição e da compensação. Colocar o possível fracasso de um programa de recuperação dos déficits de APP e RL na falta de mudas também é primário. A oferta de mudas vai acontecer, porque o mercado vai gerar essa demanda. Na medida em que as informações declaradas forem sendo acompanhadas, controladas e cobradas, o mercado vai se adaptar. Não vai ser por falta de muda que a regularização vai deixar de acontecer. Com a oferta assegurada de mudas ou não, o Código Florestal antigo ficou, em grande parte, no papel.
OCF: Na sua avaliação, vai ser possível fazer o cadastro de mais de cinco milhões de propriedades e posses no período previsto na lei, de um ano prorrogável por mais um ano, a partir da edição de uma Instrução Normativa pelo Ministério do Meio Ambiente?
Deusdará: Vai depender muito da mobilização. Vários estados estão adotando estratégias diferentes de mobilização. Um exemplo é o Acre, um estado que tem cerca de 40% de seu território concentrado em poucas propriedades, áreas destinadas ao extrativismo e aos assentamentos fundiários. Outro exemplo não tão representativo é o Distrito Federal, que tem 390 mil hectares de propriedades rurais ou concessões reais de direito de uso e 242 mil estão sob a administração do governo distrital. Cada estado vai ter uma particularidade. Vai depender da estratégia de mobilização, do envolvimento das entidades que representam os agricultores, das empresas de assistência técnica e extensão rural, do engajamento da sociedade, dos comitês de bacias. Estou otimista com os prazos. Eu acho que é possível sim cumprir esse prazo, principalmente com a constatação em campo da maciça adesão de diferentes setores e partes envolvidas, seja do agronegócio, da agricultura familiar, das comunidades e populações tradicionais, dos movimentos socioambientais, dos assentados, das organizações não-governamentais, seja das secretarias de meio ambiente e agricultura, dos órgãos de extensão rural, prefeituras, instituições financeiras e instituições de pesquisa.
OCF: Qual seria o maior desafio hoje? A inscrição dos donos de imóveis rurais e posses no cadastro? A regularização ambiental propriamente dita, o respeito às regras de preservação da vegetação nativa?
Deusdará:É achar o ponto ótimo de mobilização, respeitando as estratégias locais. Esse é um ponto fundamental para que o cadastro represente de fato uma mudança na gestão territorial ambiental brasileira, um outro olhar sobre as propriedades rurais, confirmando a possibilidade de produzir preservando. Um segundo desafio é implementar os instrumentos econômicos previstos no novo código. As pessoas precisam receber por conservar a natureza, por preservar a floresta. Quer dizer, esse incentivo, a valorização da floresta em pé a quem tem seus ativos florestais é fundamental.
OCF:Isso depende da disponibilidade de dinheiro público para o programa?
Deusdará: Não necessariamente. São instrumentos econômicos de incentivos e desincentivos. A gente precisa sair da agenda meramente ambiental e entrar na agenda econômica. Quer dizer: pagamento por serviços ambientais, por sequestro de carbono, a efetivação do mercado de Cotas de Reserva Ambiental. É um processo que não necessariamente vai exigir dinheiro público. É uma coisa gigantesca de envolvimento da sociedade e do governo no sentido de criar condições para que pessoas que tenham ativos florestais sejam remuneradas por eles.
OCF: Na sua avaliação, houve alguma relação entre a aprovação do Código Florestal, em 2012, e o aumento de 28% da taxa de desmatamento da Amazônia, em 2013?
Deusdará: Desmatar hoje não é barato, mesmo ilegalmente. Quem pensa em desmatar, planeja isso a médio e longo prazos. Não dá para culpar o código. Agora, quando houve o aumento a Reserva Legal na Amazônia de 50% para 80%, por uma medida provisória editada em 2001, veja o que aconteceu. Se casarmos com o gráfico do desmatamento, veremos que foi significativo o aumento. Quer dizer, justamente quando o governo deu sinal de maior proteção, mais houve desmatamento na Amazônia. No mínimo, é contraditório alguém levantar a ideia de que a expectativa de um novo código florestal geraria desmatamento especulativo imediato. E mesmo que tivesse havido desmatamento especulativo por conta do novo código, é preciso ver que esse desmatamento ilegal vai ser punido. A lei não prevê tolerância com o desmatamento ilegal ocorrido depois de 22 de julho de 2008.
Observatório: O governo vem sendo criticado por atrasar a implementação do Código Florestal. Por que o Ministério do Meio Ambiente demora em editar a Instrução Normativa que dará início à contagem do prazo para o cadastramento dos imóveis?
Deusdará:Só existe atraso quando existe data marcada. Se não existe data marcada, não existe atraso. Talvez depois da Constituição, essa tenha sido uma das leis que gerou uma discussão mais acalorada na sociedade brasileira, uma polarização que não envolveu apenas ruralistas e ambientalistas. Não é tão simples sistematizar uma lei complexa como esta. Especialmente considerando as diversas peculiaridades do território nacional, que é continental. O CAR vai ser o maior cadastro ambiental georreferenciado do mundo, com perspectiva de alcançar 330 milhões de hectares no Brasil. É muito simplista imaginar um mero e voluntário atraso, estamos tratando de uma coisa absolutamente complexa. O tempo para a edição da Instrução Normativa tem a ver com a complexidade, com a dificuldade, com o estilo desta gestão de conversar, de ouvir, de ponderar, de até errar, mas fazendo, sempre com prudência e respeito às partes interessadas e afetadas. Se a gente coloca na rua um Cadastro Ambiental Rural com inseguranças e incertezas em relação aos diversos pontos da lei, podemos queimar uma ferramenta fundamental, em vez de estimular o cadastramento. É natural a ansiedade, e ela pode gerar uma percepção de que há um atraso. Mas é preciso entender que trabalhamos com uma situação extremamente diferenciada. São inúmeros os requisitos do Código Florestal. Vale ressaltar que, nesse período, o MMA, junto com o Ibama, promoveu uma forte ação de treinamento, abrangendo 19 Estados e o DF e entidades setoriais parceiras de todo o Brasil, capacitando, presencialmente e à distância, multiplicadores e facilitadores para inscrição no CAR. E nessas andanças, muitas preocupações e sugestões foram acatadas para a melhoria do sistema.
OCF: O Código dá aos estados a prerrogativa de definir os Programas de Regularização Ambiental. O artigo 59 da lei fixa um prazo de dois anos (um ano prorrogável por mais um) para que os Estados implantem os seus PRAs. Esse prazo vence em maio, e a maioria dos Estados não implantou PRA. Alguns alegam que precisam esperar a edição de um novo decreto presidencial. Essa demora é justificável? Eles precisam de um novo decreto para fazer seus programas?
Deusdará: Nosso entendimento é que eles não deviam estar esperando. A lei do Código Florestal diz que, até seis meses após a sua edição, deveria haver uma regulamentação. Isso foi feito no decreto 7.830, editado em outubro de 2012. Esse decreto já deu os indicativos suficientes para os Estados fazerem as suas políticas. Infelizmente, há uma posição tradicional na área ambiental de sempre esperar a União. A gestão florestal brasileira está descentralizada desde 2006. Seria extremamente positivo se a maioria dos estados tivesse elaborado seus programas, considerando suas características locais. Se colocar na posição de que a União faça para o estado depois fazer, me parece pouco plausível.
OCF: Esse atraso dos estados é preocupante para a implementação do código?
Deusdará:É, mas por outro lado, é preciso entender que a lei dá prazo para o PRA, não dá prazo para o CAR. Para ter um bom programa de regularização ambiental, é preciso ter um bom cadastro. A perspectiva com que trabalhamos é que os esses programas possam ser ajustados a partir dos cadastros. Infelizmente os estados não fizeram a sua parte, talvez contando com um ambiente favorável da indefinição ou da omissão recíproca, tipo: eu não faço, você fica esperando eu fazer e no fim acaba ninguém fazendo…. Nesse contexto, fica muito reducionista dizer que está faltando um decreto da Presidenta. Mas esse decreto vai trazer normas complementares, mas não há nenhuma solução diferente para o que poderia estar acontecendo. Me parece que a questão do PRA volta ao eixo no momento em que a ferramenta do cadastro e do monitoramento for anunciada, for colocada em prática, for absorvida pela população como uma coisa boa para o proprietário, o posseiro e o meio ambiente. O programa vai se ajustando. Porque o cadastro não terá a eficácia desejada, se não houver a efetiva regularização.
Observatório: Quando será possível ter uma ideia do ritmo de implementação do CAR?
Deusdará: Vinte e quatro horas depois de lançado. Nós estamos preparados para, a partir do momento em que for habilitado o envio das informações que estão sendo colhidas no modo off-line do cadastro, imediatamente divulgar os resultados. Os dados serão monitorados on line, inclusive os problemas que poderão advir. E haverá transparência na divulgação desses dados.
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