Entidades ambientalistas reunidas no dia do Bioma Pampa, em Porto Alegre, no último dia 17, decidiram não deixar “passar em branco” o problema da perda de biodiversidade dos campos nativos. Em evento com a presença de pesquisadores, acadêmicos e técnicos da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), assumiram o compromisso de pressionar a Sema e o Governador Tarso Genro a assinar a minuta do decreto da Sema que regulamenta o novo Código Florestal no estado. .
A minuta do decreto CAR e Vegetação do RS (Processo Administrativo 14569-05.00/14-5), que regulamenta o Programa de Regulamentação Ambiental (PRA) no estado, ainda não foi encaminhada ao Secretário de Meio Ambiente. O trabalho, iniciado há quatro meses, reuniu informações técnicas com o apoio de pesquisadores da Fundação Zoobotânica (FZB), do Centro de Ecologia e do Instituto de Botânica da UFRGS, do Ministério Público estadual, da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e de outros órgãos ligados ao tema,
As resistências à implantação do CAR no RS, em especial no Bioma Pampa, têm origem nas entidades representativas do agronegócio que defendem que áreas de campo nativo com produção pecuária sejam consideradas áreas consolidadas. E têm orientado os produtores rurais a não se inscrever no SiCAR. A finalidade seria facilitar a supressão de vegetação nativa para a conversão em agricultura. Informações recentes revelam que pouco mais de 500 cadastros foram enviados à Sema de um total de 470 mil propriedades rurais no estado – 30% delas situadas no bioma Pampa. O prazo de entrega do CAR se encerra em maio de 2015.
O decreto, que não tem data para ser assinado pelo governador Tarso Genro, esclarece conceitos importantes para o preenchimento de informações no Cadastro Ambiental Rural, como por exemplo, a abrangência da área rural consolidada e dos remanescentes de vegetação nativa, a necessidade de autorização prévia da Sema para a supressão da vegetação nativa campestre, seja no Pampa ou na Mata Atlântica, além de definir a pecuária extensiva como prática passível de ser conduzida nos campos dentro das áreas delimitadas como Reserva Legal.
O professor da UFRGS e coordenador dos projetos de pesquisa da Rede Campos Sulinos, Valério De Patta Pillar, afirmou que o decreto esclarece questões que são do interesse do setor produtivo, sem abdicar da conservação dos campos. “Sem esta regulamentação, o sistema todo não avança e a fiscalização fica fragilizada,” afirmou. Ele acredita que falta a compreensão de que os campos com atividade pecuária são remanescentes de vegetação nativa. Ou seja, de acordo com o artigo 26 do Código Florestal, para converter uma área de campo nativo em lavoura de soja, por exemplo, é necessária uma autorização prévia da Sema, que irá avaliar a legalidade da demanda.
O biólogo Eduardo Vélez, pesquisador da Rede Campos Sulinos, considera uma vantagem dos produtores rurais pampianos em relação àqueles situados em outros biomas, o fato de poderem praticar a pecuária sustentável nas áreas de campo nativo delimitadas como Reserva Legal. “O controle da conversão das áreas de campo nativo situadas fora de Áreas de Proteção Permanente (APPs e de Reservas Legais, por parte da Sema, baseado em critérios científicos, é essencial. Em algumas regiões, os campos já foram quase que totalmente dizimados e, nestes casos, o interesse ambiental e social deve ser equilibrado com o interesse privado, sob pena das perdas para a biodiversidade serem irreparáveis.”
A engenheira florestal Sílvia Pagel, técnica da Fepam e integrante do Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (MOGDEMA), lembrou que o número mais recente sobre a conservação do Pampa data de 2008: 36% do bioma com remanescentes de vegetação nativa. Adiantou que deverá ser realizado o zoneamento ecológico econômico para todo o estado em 2015 e explicou que será um instrumento importante, assim como o Zoneamento Ambiental para a Silvicultura (ZAS), que orienta por unidades de paisagem o percentual máximo a ser ocupado por essa atividade produtiva.
Biodiversidade
Vélez apresentou imagens das diferentes paisagens pampianas gaúchas, localizadas ao sul do Rio Grande do Sul e na parte sul das Missões. Contrariando o senso comum sobre os campos nativos, apresentou a enorme biodiversidade que vem sendo catalogada, os diferentes tipos de campos já reconhecidos (campos com barba de bode, campos com espinilho, campos de areais, campos de solo raso, campos graminosos, dois tipos de campos mistos, campos arbustivos, campos litorâneos e campos de altitude). Explicou que estes ecossistemas possuem uma imensa diversidade de espécies de flora e fauna e constituem verdadeiras “paisagens culturais sustentáveis” devido à combinação entre a presença de vegetação nativa – habitat da fauna nativa e ao fato das áreas serem produtivas com a prática da pecuária, que gera empregos e renda.
Citou ainda dados inéditos da pesquisadora da Rede Campos Sulinos, Dra. Ilsi Boldrini, segundo a qual há mais de duas mil espécies vegetais no Pampa, com cerca de 350 espécies endêmicas. Em um único metro quadrado de campo nativo coexistem dezenas de espécies. Esta informação foi complementada por um estudante orientado por Boldrini, que recentemente presenciou um novo recorde: 57 espécies em apenas um metro quadrado de campo. “Há quem não dê importância, mas a biodiversidade está aí. Evitar a supressão da vegetação nativa no Pampa é tão importante quanto na Amazônia,” disse.
Além da agricultura, o uso excessivo de agrotóxicos, as invasões biológicas principalmente pelo capim annoni e, uma pecuária com excesso de carga animal, estão entre as principais ameaças à conservação dos campos do Pampa. Dentre os desafios para a conservação destes ecossistemas, destacou a promoção da pecuária sustentável e de atividades como o turismo rural e a criação de parques e reservas biológicas, cuja meta para cada bioma é de 10%. O Pampa tem apenas 3,5%.
Lutzenberger
A geógrafa e jornalista Claudia Dreier, da Fundação Gaia, apresentou o artigo “Prefácio para ‘Índices de lotação pecuária para o Rio Grande do Sul’” de José Lutzenberger, de 25 de junho de 1997, o qual evidencia o pensamento de um dos pioneiros do ambientalismo brasileiro, que teria completado 88 anos. no dia do evento.
Lutz defendia o manejo sustentável por proporcionar a qualidade diferenciada da carne proveniente do Pampa: “… os modernos esquemas de ‘produção’ com animais confinados, que mais merecem o nome de ‘campos de concentração’ de animais, nada produzem, apenas transformam, mas com grande perda. Alimentar gado, galinhas e porcos com grãos é dar-lhes alimento subtraído ao consumo humano, é agravar o problema da fome”.
Em outro trecho, Lutz afirma que “[…] o fazendeiro do Pampa já é e pode tornar-se ainda mais preservador de paisagens, de ecossistemas e de diversidade biológica e cultural. A linda cultura gaúcha também merece proteção, não podemos permitir que desapareça. À medida em que ele protege sua paisagem, a fauna e a flora, o fazendeiro merece reconhecimento oficial […]”. O artigo pode ser lido integralmente em Fundação Gaia.
Documentário
O historiador Tiago Rodrigues, integrante do Coletivo de Comunicação Catarse abordou a produção do documentário de 53min “Carijo”. Os municípios gaúchos que receberam a equipe de filmagem foram Panambi e São Miguel das Missões, onde os ervais e a pecuária que eram importantes fontes de renda acabaram substituídas pela sojicultura. “Carijo” mostra um modo de vida baseado na produção familiar coletiva, que envolve um conhecimento ancestral e demanda um trabalho criativo e pesado ao mesmo tempo,” disse.
Junto do documentário foram produzidos também dois materiais: uma cartilha que mostra a montagem do carijo e a estrutura de secagem para a produção da erva-mate, ingrediente única do chimarrão e um livro de Moisés da Luz, biólogo que foi o coordenador técnico da produção do documentário. Em “Carijo: saber cultural do RS, símbolo da resistência e conhecimento indígena e camponês na fabricação de erva-mate”, o autor mostra que a biodiversidade ajuda as populações a viverem no campo, contrariando as “visões que pregam a diminuição das áreas de conservação e o aumento das áreas de monocultivo” de soja, trigo, milho ou eucalipto.
A realização da mesa redonda “Um olhar sobre o horizonte” em comemoração ao Dia do Bioma Pampa, foi uma realização do Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (Mogdema), da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá), da Econ-Agência Solidária de Notícias Ambientais (NEJ_RS) e da FAcildade de Bibliotecomia e Comunicação (FAbico) -UFRGS. (Eliege Fange – Rede Campos Sulinos – EcoAgência; Edição OCF)
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