São dois grandes problemas. De um lado, proprietários rurais obrigados a recompor ou compensar áreas desmatadas, que correspondem à Reserva Legal de seus imóveis. De outro lado, terras desapropriadas para a criação de Unidades de Conservação, sem o devido pagamento de indenização aos proprietários, nem previsão de dinheiro público para quitar esta dívida. Esses dois problemas encontraram uma solução comum em dispositivo do Código Florestal: a compensação de Reserva Legal por meio de doação ao poder público de área localizada em Unidade de Conservação e pendente de regularização fundiária.
Essa possibilidade começa a movimentar um mercado bilionário. A previsão é que esse mecanismo – um dos vários de compensação da Reserva Legal previstos em lei – poderá alcançar 5,6 milhões de hectares, o equivalente a 37 vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Essa é a extensão das propriedades privadas não indenizadas no interior de Unidades de Conservação federais e com documentação conferida, segundo cálculo do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
O volume de terras desapropriadas ainda sem indenização pode ser maior e chegar a 10 milhões de hectares, avalia o instituto. Com base no preço médio do hectare de terra no Brasil, o ICMBio prevê que seriam necessários pelo menos R$ 7 bilhões para quitar essa conta. “Não temos previsão de recursos orçamentários para pagar essa dívida”, diz o presidente do ICMBio, Roberto Vizentin, defensor da compensação, que alcançará também Unidades de Conservação nos Estados. “Nossa expectativa com a compensação é grande para resolver a questão fundiária das Unidades de Conservação”.
O outro lado da conta, sobre o déficit de Reserva Legal nas propriedades, envolve cifras ainda maiores, mas ainda imprecisas. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima em 18,4 milhões de hectares a área desmatada a ser recuperada ou compensada como parcela da Reserva Legal nos imóveis. O professor Gerd Sparovek, da Universidade de São Paulo (USP), estima que esse passivo alcance 28,4 milhões de hectares, maior do que o tamanho do Estado de São Paulo. O tamanho real do passivo Reserva Legal nas propriedades só será conhecido com algum grau de precisão depois do registro dos imóveis no Cadastramento Ambiental Rural (CAR).
Mercado
O mercado de compensação de Reserva Legal em Unidades de Compensação já registra as primeiras movimentações por conta do novo Código Florestal. O administrador paulista Sergio Andrade se cadastrou no início do ano na Bolsa Verde do Rio de Janeiro (BVRio). A família dele comprou, nos anos 70, cerca de mil hectares dentro dos limites atuais da Estação Serra Geral do Tocantins, criada em 2001, e não chegou a ocupar o imóvel. “Ainda aguardo uma oferta”, diz Sérgio.
A família não apresentou pedido de pagamento de indenização da área do ICMBio, mas afirma ter certidão de propriedade do imóvel. A devida documentação do imóvel na Unidade de Conservação é um dos requisitos para participar do mercado de compensação. Para facilitar as transações, o ICMBio já emite uma espécie de certidão dos imóveis, documento que atesta a regularidade dos terrenos. Até agora, foram certificadas para fins de compensação de Reserva Legal 53 mil hectares em UCs federais.
“A finalidade é garantir ao comprador, beneficiário da compensação, a segurança jurídica sobre dominialidade, tamanho e localização do imóvel ofertado”, explica Eliani Maciel, coordenadora de Consolidação Territorial do instituto. “Já temos certidões expedidas nos parques nacionais da Ilha Grande, Serra da Canastra, Juruena, Grande Sertão Veredas, Itatiaia e Serra do Itajaí”, disse. Só no Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, o ICMBio teve reiterada em julho deste ano uma condenação pela Justiça Federal, pela qual terá que pagar cerca de R$ 5 milhões por duas fazendas desapropriadas no interior da UC, criada em 1984.
No mesmo parque da Serra da Canastra, também foram registradas as primeiras doações para fins de compensação de Reserva Legal, ainda com base no Código Florestal anterior. O ICMBio registra doações de 11,9 mil hectares em dois parques: Serra da Canastra e Ilha Grande. Com isso, o instituto teria deixado de desembolsar R$ 29,3 milhões em indenizações. Houve mais um registro de doação, no Parque Nacional de Itatiaia, e a compensação de Reserva Legal referente à operação está em curso no órgão ambiental de Minas Gerais. A BVRio, ainda não fechou nenhum negócio de compensação, mas informa que trabalha com seis propostas de compra de áreas em UCs de cinco Estados diferentes: Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia. As negociações envolvem três biomas: Cerrado, Mata Atlântica e Amazônia. Fora da BVRio, o mercado também registra algumas negociações em curso.
O grupo Itaquerê, formado pela Usina Santa Fé e pela Agropecuária Nova Europa, quer doar ao Estado de São Paulo área de 397 hectares da Fazenda São Benedito, desapropriada na criação do Parque Estadual Nascentes do Paranapanema, criado no ano passado no município de Capão Bonito, à espera de pagamento de indenização. O grupo também tem passivo de Reserva Legal nas propriedades localizadas na região de Araraquara, a pouco mais de 300 quilômetros da capital. “Estamos em fase de negociação: a intenção é doar toda a área desapropriada e compensar o déficit”, diz o assistente ambiental da Usina Santa Fé, Antonio Caracciolo.
Biomas
A compensação de Reserva Legal por meio de doação de imóvel localizado dentro de Unidade de Conservação e pendente de regularização fundiária já era prevista desde 2006, antes da reforma do Código Florestal. Agora, a opção é mais atraente, por permitir negócios entre propriedades desde que façam parte do mesmo bioma. Se a negociação envolver mais de um estado, é preciso que compensação se dê em área identificada como prioritária pela União ou pelos estados.
O governo federal já prepara uma lista de áreas prioritárias, que deverá ser editada até o final do ano. São 251 as Unidades de Conservação de domínio público federais, passíveis de entrar na lista. Elas somam 64,6 milhões de hectares – uma parcela do total dos 75 milhões de hectares de áreas das 310 Unidades de Conservação da União. Os proprietários de imóveis acima de quatro módulos fiscais que não mantiveram área de 20% a 80% de seus imóveis como Reserva Legal, dependendo do bioma em que se encontram, têm como opções recompor a vegetação, inclusive com o uso parcial de espécies exóticas, permitir a regeneração natural da mata nativa ou ainda compensar esse déficit. A compensação pode se dar por meio de arrendamento de área, compra de Cota de Reserva Ambiental (CRA), cadastramento de área equivalente excedente à Reserva Legal em outro imóvel do mesmo dono ou a compra de área localizada em Unidade de Conservação e posterior doação ao poder público.
O bioma Amazônia é o que detém, ao mesmo tempo, o maior passivo de Reserva Legal e o maior volume de áreas em Unidades de Conservação federais à espera de indenização. Mas a expectativa é que a procura de áreas nas UCs seja maior no bioma Mata Atlântica, onde a oferta por áreas para compensação é menor.
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