De que forma os Tribunais de Contas podem auxiliar na implementação do Novo Código Florestal? À primeira vista, até pode parecer que uma coisa não tem muito a ver com a outra, o que não passa de um engano, talvez induzido pela nomenclatura. Para responder a esta
questão, reuniram-se especialistas (da academia a representantes de organizações do terceiro setor), e eles foram unânimes ao afirmar que
tais órgãos são, sim, importantes atores no processo.
A mesa de debate, intitulada “Os Tribunais de Contas e o Código Florestal: construindo estratégias para impulsionar a implementação da lei”, foi mediada por Rafael Giovanelli, advogado e analista em Políticas Públicas do WWF-Brasil. “O Tribunal vem atuando de maneira bastante intensa na nossa agenda e nosso objetivo é conversar com alguns especialistas para explorar as possibilidades de atuação da sociedade civil diante dos Tribunais de Contas, visando a implementação do Código Florestal e especialmente a validação do Cadastro
Ambiental Rural (CAR) e o Programa de Regularização Ambiental (PRA)”, disse.
Participaram do debate André Rosilho, advogado, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e coordenador do Observatório do TCU, da FGV; Kaline de Mello, bióloga, do Geolab e pesquisadora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Bruno Vello, analista de Políticas Públicas do Imaflora; e Amanda Faria Lima, analista no Programa de Integridade e Governança Pública da Transparência Internacional
Brasil, co-fundadora do Instituto de Governo Aberto.
Um estímulo aos avanços da pauta ambiental
É preciso compreender as funções dos Tribunais de Contas para entender a sua relação com o Novo Código Florestal e como tais órgãos – seja o Tribunal de Contas da União, os tribunais estaduais ou municipais – poderiam ser úteis na promoção da pauta ambiental. Partindo desta premissa, o advogado André Rosilho, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), avaliou a provocação do painel como “um tanto
inusitada, mas possível”. Coordenador do Observatório do TCU, ele lembrou que o Código é um diploma normativo cuja eficácia “depende de uma construção, não é automática”. “Sobretudo nesse momento que o poder Executivo acaba se afastando da pauta de proteção ao meio ambiente me parece fundamental pensar em alternativas criativas para fomentar a eficácia do diploma”, frisou.
Rosilho, que coordena o Observatório do TCU, da FGV, explicou que a Constituição prevê que o TCU auxilie o poder Legislativo, mas com certo grau de autonomia. O órgão de controle externo do governo federal pode agir por iniciativa própria ou quando provocado por terceiros, além de possuir uma clara divisão entre um corpo técnico (concursados) e decisório (9 ministros, que chegam ao cargo por critérios mais políticos). “Um corpo técnico qualificado para fazer auditorias de desempenho é algo bastante singular, restrito aos tribunais de contas”, disse, destacando ainda como positiva “certa independência institucional” em relação ao Executivo e ao Legislativo, o que pode estimular a
produção de estudos mais neutros sobre o funcionamento das instituições.
Conforme o professor, o TCU tem produzido auditorias importantes sobre como as políticas ambientais têm sido implementadas na prática. Além disso, pontuou que os Tribunais de Contas têm uma posição institucional privilegiada, permitindo um olhar panorâmico para a administração pública que poucos órgãos de controle têm. Nesse sentido, os Tribunais de Contas podem ser aliados importantes da sociedade civil para produção de dados e informações. “Podem tanto ser provocados pela sociedade civil como a sociedade civil pode se valer de dados produzidos em matéria ambiental para pressionar o Congresso a fazer reformas ou o Executivo a cumprir medidas previstas na legislação. Então, são um ator importante para estimular avanços da pauta ambiental”, declarou.
Gargalos do Código Florestal
Apesar dos avanços, especialmente na etapa do cadastramento, há uma série de gargalos para a implementação do Código Florestal. Pesquisadora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a bióloga Kaline de Mello ajudou a lançar luzes sobre estes desafios,
os quais podem ser foco de atuação dos Tribunais de Contas. Ela lembrou que os 6,5 milhões de registros no Cadastro Ambiental Rural (CAR) correspondem a 72% da área do Brasil, mas que, desconsiderando as sobreposições, esse percentual cairia para cerca de 50%.
Na Mata Atlântica, por exemplo, há 6,3 milhões de hectares de sobreposições, o que, segundo Kaline, significa um nó a ser desatado na próxima etapa, a de validação. Além disso, há um gap nos cadastros, o chamado vazio do CAR, que são os 13,5% de terras não registradas: 13,5%.
De acordo com a pesquisadora, estimativas do ValidaCAR indicam que o custo de validação do CAR pode chegar a R$ 160 milhões em estados como o Pará. “O maior desafio atualmente é a validação do CAR. Como é autodeclaratório, precisa ser validado, o que demanda recursos financeiros e técnicos”, disse. Uma das estratégias para agilizar o processo seria o investimento em ferramentas automatizadas de validação, principalmente nos cadastros mais simplificados, deixando para os técnicos apenas a análise de cadastros de maior complexidade. A validação dinamizada, porém, traria outro desafio: a transparência de dados do sistema, do método de análise dos cadastros e da base de
dados utilizados, além de recursos. “A transparência é fundamental para que a sociedade civil acompanhe esse processo de validação do CAR”, declarou.
Por fim, Kaline chamou a atenção para a importância de se acompanhar a regulamentação dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs). Afinal, somente com a recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) – que, conforme ela, obrigatoriamente precisam ser restauradas – seria possível atingir 67% da meta climática do Brasil, que é de 12 milhões de hectares. “Então, a implementação do Código
Florestal é fundamental para o Brasil atingir essas metas internacionais”, sinalizou.
Um olhar para o TCU
A palavra “contas” pode induzir ao erro, pois a atuação desses tribunais não se limita a olhar para os números. Conforme Bruno Vello, analista de Políticas Públicas do Imafora, as auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU), têm alta capacidade de intervenção sobre os rumos das políticas públicas. “A atuação vai muito além dessa característica de fiscalização e julgamento de contas públicas, inclusive com elaboração de diagnóstico sobre a implementação de políticas, que é parte importante do desafio que temos hoje de implementação do
Código Florestal, de uma política que ocorre em etapas, para que sejam cumpridas”, avaliou.
O potencial de atuação do TCU em relação à legislação ambiental encontra suporte no fato de que o órgão monitora a implementação e governança de políticas públicas, recordou Vello. O analista disse ser importante ressaltar que não se parte do zero: em agosto de 2020, foram feitas análises exploratórias sobre auditorias do TCU e da Controladoria-Geral da União (CGU) envolvendo o Código Florestal.
Ele trouxe alguns exemplos. Entre eles, um acórdão de 2018, fruto de solicitação do Congresso Nacional para que o TCU avaliasse o estágio de implementação de instrumentos do Código. Nos resultados, o órgão aponta uma série de desafios, como a dependência de recursos externos para viabilização do CAR (doações e empréstimos de organismos internacionais) e capacidade técnica e operacional limitada das secretarias estaduais de meio ambiente. “Em 2018, o TCU já estava identificando esses desafios que a gente também identifica como gargalos
para implementação do Código, apesar de não ter feito recomendações ou determinações para enfrentar esses desafios.” Segundo Vello, o TCU possui um potencial positivo para acelerar a implementação do Código Florestal, embora não tenha sido realizada uma auditoria específica.
A capilaridade dos tribunais
Além do Tribunal de Contas da União (TCU), o Brasil possui ainda outros 26 tribunais estaduais, três municipais, um do Distrito Federal e mais dois de municípios específicos (São Paulo e Rio de Janeiro). Tal fato demonstra a dimensão da capilaridade e, consequentemente, o potencial territorial destes órgãos de controle, de acordo com Amanda Faria Lima, analista no programa de Integridade e Governança Pública na Transparência Internacional Brasil. Coube a especialista fazer uma reflexão específica sobre os Tribunais de Contas Estaduais (TCEs). “Nesse trabalho de promover o combate à corrupção, de estimular instituições mais íntegras, que olhem para a governança e integridade das políticas públicas, a gente vê nos TCEs e nos demais órgãos de controle atores muito importantes na promoção dessa integridade”, disse.
Amanda relatou que a Transparência Internacional possui um programa de integridade socioambiental, que olha para a conexão entre o combate à corrupção e a preservação ambiental em diversos temas. Tratando especificamente do Código Florestal, avaliou que, nestes 10 anos de existência da legislação, ocorreram importantes avanços, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. E é justamente nesse vão que os tribunais entram como agentes de fortalecimento da implementação do Código.
Para a analista, três das funções dos órgãos de controle podem auxiliar na prática: a função fiscalizadora (com exames e ações de auditoria), a sancionatória (aplicação de multas, declaração de inidoneidade para licitar, etc) e a ouvidoria (recebimento de denúncias feitas por qualquer cidadão e representação). Amanda ainda citou um trabalho realizado em parceria com Atricon – Associação dos Membros dos Tribunais
de Contas do Brasil, que resultou em uma resolução com diretrizes de controle externo da gestão florestal. “Os Tribunais de Contas são importantes, pois são novos atores que a sociedade civil pode utilizar. E o recebimento de denúncias, de representações são formas de contato”, explicou.
Painelistas
Rafael Giovanelli – Especialista em Políticas Públicas / WWF (Moderação)
André Rosilho – Coordenador / Observatório do TCU
Kaline de Mello – Bióloga / GeoLab
Bruno Vello – Analista de Políticas Públicas / Imaflora
Amanda Faria Lima – Analista no Programa de Integridade e Governança Pública / Transparência Internacional Brasil
Assista ao debate na íntegra:
Encontro reúne diferentes atores para debater soluções e desafios de proteção e restauração no bioma Conhecida como “Capital do Oeste” […]
Evento de escuta e diálogo com produtores e técnicos rurais vai debater desafios e soluções para a proteção da vegetação […]
Rede percorrerá regiões de Goiás, Bahia e Minas Gerais em agendas para debater a proteção do bioma Entre os dias […]
Atualmente na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) da Câmara dos Deputados, o PL nº 2.420/21 altera […]