Desmatamento recorde, perda de biodiversidade, poluição dos mares e oceanos em níveis nunca antes registrados. A ciência não tem dúvida: caminhamos, enquanto humanidade, rumo ao abismo. As crises – políticas, econômicas, ambientais, humanitárias – se entrelaçam e se retroalimentam, agravando as desigualdades sociais. “Não há um planeta B”, dizem os cartazes empunhados por ativistas mundo afora. Afinal, nessa corrida contra o relógio, cada dia que passa é uma oportunidade desperdiçada: a mudança é para ontem.
Apesar do cenário crítico, o verde remanescente das matas brasileiras simboliza, literalmente, a esperança
para o mundo. Essa chama, porém, não pode se apagar. Ao promover a conservação e restauração da
vegetação nativa, o Novo Código Florestal, promulgado há 10 anos, pode ser um aliado de primeira ordem no combate às mudanças climáticas. Mas antes é preciso que a legislação saia, de fato, do papel.
Reunidos para falar sobre a primeira década do Código Florestal, quatro especialistas são unânimes ao afirmar que o Brasil, que detém 20% da biodiversidade mundial, tem potencial para liderar o movimento global de preservação ambiental.
O painel “O Código Florestal como solução para crise do clima e da biodiversidade” foi mediado por Rafael Loyola, diretor executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS). Participaram do debate Matheus Couto, do Centro de Monitoramento da Conservação Mundial (WCMC), Aliny Pires,
professora da UERJ e pesquisadora, Mercedes Bustamante, professora da UnB, e Wigold Schaffer, ambientalista, fundador da Apremavi.
Tempo de renascer das cinzas
Com os níveis recordes de desmatamento na Amazônia em 2022, é mais do que chegada a hora de se renascer das cinzas. O quadro de degradação ambiental global, com declínio drástico da biodiversidade, levou a Organização das Nações Unidas (ONU) a declarar 2021-2030 como a Década de Restauração dos Ecossistemas. Matheus Couto, oficial de programa do Centro de Monitoramento da Conservação Mundial (WCMC), um órgão do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), recorda que o Brasil tem a maior rede de áreas protegidas do mundo. E que, junto com essa riqueza, vem a responsabilidade de preservar, uma tarefa, porém, que se estende a todos os países. A meta da ONU é restaurar um bilhão de hectares em 10 anos.
Conforme Couto, cada dólar investido em restauração pode criar até 30 dólares em benefícios econômicos. Mas ele pondera que restaurar custa caro, e que esta é uma conta que não fecha. “O
Brasil está perdendo mais de um milhão de hectares por ano. Não adianta falar em restaurar, trocar um milhão de hectares de ecossistema maduro por um milhão de hectares restaurados. Não tem o mesmo valor”, diz. Por isso, antes do tratamento, a prevenção. É nesse sentido que o esforço para implementar o Código Florestal tende a ser mais frutífero. Uma projeção do WCMC, em parceria com o Instituto nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), indica que a implementação da legislação florestal evitaria a perda de 53 milhões de hectares de vegetação nativa até 2050.
Até lá, segue em ascensão o custo de inação. “A gente tem que levar em consideração quanto custa não fazer nada. Pelos dados científicos que a gente tem visto, custa muito. Então, implementar o Código Florestal é extremamente importante para essas convenções internacionais, que é o foco do nosso
trabalho na ONU”, relata.
Das crises surgem as oportunidades
O ritmo de vida nos grandes centros urbanos pode até ter nos afastado da natureza, mas não alterou a nossa relação de dependência dos recursos naturais. Da oferta de alimentos e água potável à qualidade do ar, passando pela regulação de secas e inundações. São exemplos dos serviços ecossistêmicos, ou seja, dos benefícios que os seres humanos obtêm dos ecossistemas. Em 1997, estudos estimaram o
valor de tais serviços em 33 trilhões de dólares, uma cifra que saltou para 121 trilhões de dólares em 2011. Quem apresenta os dados é Aliny Pires, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisadora da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS).
“Estamos falando de uma conta que a gente não conseguiria pagar mesmo se a gente quisesse pagar. Isso mostra o valor da biodiversidade em si, e esse aumento tem a ver com o quanto a gente tem degradado e o crescimento da população”, explica Aliny, que também é coordenadora-executiva da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos.
Conforme a pesquisadora, o Brasil tem potencial de incorporar a biodiversidade a um modelo de desenvolvimento, e o conceito de serviços ecossistêmicos pode ser um grande colaborador nesta tarefa.
Desenvolvimento social e econômico, redução da pobreza e desigualdade, geração de emprego e renda, valorização dos produtos nacionais e liderança ambiental global. São exemplos de oportunidades para o país que poderiam ser geradas se a sua biodiversidade fosse encarada como um ativo. Por isso, na visão da professora, ao promover a conservação e a restauração, o Código Florestal auxilia na manutenção e recuperação da capacidade que a natureza tem de oferecer bem-estar para as pessoas. “A mudança, no final das contas, é para ontem, porque quanto mais o tempo passa mais possibilidades de caminhos seguros para a nossa sociedade a gente vai perdendo”, conclui.
O Brasil deve contribuir com metas mais ambiciosas
Assinado em 2015, o Acordo de Paris tem como meta manter o aumento da temperatura média mundial bem abaixo dos 2 °C e buscar esforços para limitar tal aumento a 1,5 °C. Contudo, o cumprimento deste objetivo parece estar cada vez mais distante. E os fenômenos meteorológicos extremos, como furacões, chuvas torrenciais e ondas de calor, efeitos colaterais das mudanças climáticas, são cada vez mais frequentes.
Professora da Universidade de Brasília (UnB) e membro da Academia Brasileira de Ciências, Mercedes Bustamante destaca que, considerando os compromissos atuais de mitigação, as projeções indicam um aumento de 2,9° na temperatura média em 2100. “A mensagem clara é: todos os governos devem adotar metas mais fortes para 2030”, diz ela, acrescentando que “o Brasil deve contribuir com metas mais ambiciosas”. Em 2021, o país não só foi o que mais perdeu florestas tropicais como também revisou sua meta no Acordo de Paris, numa ação bastante criticada e classificada como “pedalada ambiental”.
Conforme Mercedes, ao Brasil – situado numa região que responde por 11% das emissões globais dos gases de efeito estufa – cabe retomar medidas de controle do desmatamento, coibir atividades ilegais, reforçar instrumentos como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), além de incentivar restaurações dos passivos ambientais e práticas e negócios sustentáveis. “O Brasil tem significativos ativos ambientais, globalmente relevantes, e que podem ser oportunidade de uma nova agenda de desenvolvimento”, avalia.
Ainda de acordo com a professora, 70% das emissões brasileiras estão associadas à agricultura e ao desmatamento, o que é uma faca de dois gumes: “Essa convergência de desmatamento e agricultura, mudança de clima, tem impacto negativo sobre a própria agricultura, uma vez que ela é atividade que
mais demanda regularidade climática. Ou seja, trabalhar o desmatamento é para o benefício da própria atividade agrícola.
O Código como barreira
Das enchentes em Santa Catarina, em 2008, às cheias no Amazonas, em 2022. Na avaliação do ambientalista Wigold Schaffer, os maiores desastres socioambientais no país, que ceifaram a vida de centenas de pessoas, têm um ponto em comum: normalmente, as comunidades afetadas, seja na
área urbana ou rural, situavam-se em Áreas de Preservação Permanente (APPs). Fundador da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi), ele reforça que tais localizações equivalem a áreas de risco, e que, quando chove, o rio sobe e a montanha desce.
Se implementado, o Código Florestal pode servir como uma importante ferramenta para evitar catástrofes, lembra Schaffer. Além, é claro, de ajudar a resolver uma série de questões relacionadas a recursos hídricos, perda/manutenção de biodiversidade e mitigação das mudanças climáticas. “Os afetados, muitos deles, estão lá porque a sociedade e o seu modelo de desenvolvimento os empurra para
lá, não dando alternativa. Mas outros estão lá, muitas vezes, incentivados por políticos, por órgãos públicos que não fiscalizam.”
Schaffer, ao longo dos anos, acomodou raízes na terra e viu de perto a transformação de áreas desoladas. Por esta razão, apesar dos prognósticos alarmantes sobre o futuro do Planeta, ele se diz otimista, além de acreditar que, num país com de 8,5 milhões de quilômetros quadrados de extensão, existe lugar para tudo e todos.
Painelistas
Rafael Loyola – Diretor executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade (Moderador)
Matheus Couto – PNUMA WCMC
Aliny Pires – Professora / UERJ
Wigold Scha!er – Co-fundador e conselheiro / Apremavi
Mercedes Bustamante – Professora / UNB
Link para o debate na íntegra:
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