Do Oiapoque ao Chuí, os bons exemplos existem. E têm potencial de gerar um efeito multiplicador pelo país. Coube a um grupo de mulheres a missão de lançar luzes sobre iniciativas propositivas no painel “Lançamento de instrumentos que promovem a implementação do Código Florestal”. Uma nota técnica, uma plataforma e um manual foram os casos apresentados por cada uma delas.
O debate foi mediado pela jornalista Flávia Ribeiro, da BVRio, que chamou a atenção para a importância dos exemplos positivos para
inspirar outras pessoas e entidades a se engajarem na causa ambiental. Participaram da mesa Lícia Azevedo, da The Nature Conservancy Brasil, Roberta del Giudice, secretária-executiva do Observatório do Código Florestal (OCF), e Miriam Prochnow, ambientalista e conselheira da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi).
Azeitar a engrenagem para ganhar escala
Especialista em Políticas para a Floresta na The Nature Conservancy Brasil, Lícia Azevedo apresentou uma nota técnica construída por várias mãos com sugestões de rotas para se avançar na implementação do Código Florestal. Para a engenheira ambiental e mestre em Ciências Florestais, a “grande âncora” são as chamadas soluções baseadas na natureza, as quais imitam processos naturais, como a conservação e a
restauração da vegetação nativa, que correspondem hoje a mais de um terço das soluções para combater as mudanças climáticas. “Além disso, as soluções baseadas na natureza trazem muitos benefícios, como conservação da água e do solo, o aumento da biodiversidade e também benefícios sociais e econômicos”, frisou.
No entanto, para viabilizar o cumprimento da meta do Acordo de Paris e o próprio Código Florestal, restaurando 12 milhões de hectares até 2030, é fundamental ganhar escala na restauração florestal. “Um ponto importante é o produtor rural. Ele é o elo chave de todo o processo”, disse. Mas como fazer com ele tenha interesse em restaurar áreas na sua propriedade rural? Segundo Lícia, entre os indutores de motivação estão os mecanismos de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) e os sistemas de comando e controle, como as leis.
Por fim, a especialista trouxe exemplos de experiência de destaque, da aplicação dos motivadores, tais como o projeto Reverte, lançado em 2019 e que apoia a conversão de pastagens degradadas em áreas produtivas no Cerrado, e o Plano Conservador da Mantiqueira, criado em 2016 e que, com o uso de PSA, busca restaurar 1,5 milhão de hectares em 425 municípios da região da Mantiqueira. Os casos apresentados, conforme ela, deixam algumas lições. “Todos os atores devem andar juntos para que a engrenagem funcione: o setor privado deve continuar buscando investir em projetos reais, órgãos públicos devem continuar a acelerar a elaboração dos seus PRAs e a sociedade civil deve pressionar pela execução da lei, promover sua importância e mostrar que é possível cumpri-la.”
Uma plataforma para inspirar
Diz o ditado que a união faz a força. Foi com essa máxima em mente que diversas organizações (39, atualmente) se juntaram para promover a implementação da lei florestal brasileira. Criado em 2013, o Observatório do Código Florestal (OCF) tem atuado no sentido de buscar transparência dos dados públicos e incentivos para o cumprimento da lei, além de promover a comunicação e engajamento, segundo Roberta del Giudice, advogada e secretária executiva da rede. Ela apresentou Coleção Web de boas práticas de implementação do Código Florestal,
uma plataforma que reúne iniciativas públicas, privadas e do terceiro setor, relacionadas ao estabelecimento da legislação ambiental no país.
Com 23 anos de atuação em Direito Ambiental, Roberta citou uma série de dados para demonstrar o que motivou a criação da plataforma, a começar pelo fato de que somente 0,4% dos 6,5 milhões de registros no Cadastro Ambiental Rural (CAR) foram validados. Além disso, enquanto o desmatamento e projetos que ameaçam o Código avançam, 74% da sociedade brasileira desconhece a legislação florestal.
“Então, para promover a implementação da lei, a gente achou que precisava mostrar quais são essas boas práticas para que elas ganhem escala, para que aumente o impacto de cada uma delas”, explicou.
Após o lançamento, em 2021, de um questionário para identificar as boas práticas, o OCF colocou no ar a plataforma com seções sobre ferramentas de informação, validação CAR, compliance, inscrição CAR, adequação e incentivo. Também é possível fazer buscas por estado ou bioma, conferir estudos, documentos, levantamentos de dados, além de cadastrar novas iniciativas. As 25 iniciativas de sucesso podem ser conferidas em https://boaspraticas.observatorioforestal.org.br.
Criatividade contra a crise
Para a ambientalista e pedagoga Miriam Prochnow, conselheira da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi), a criatividade é um item indispensável num momento de crise e fragilidade das instituições e das políticas públicas, como vem ocorrendo no país nos últimos anos. Por isso, uma das ferramentas que a entidade tem utilizado são materiais didáticos para demonstrar aos produtores rurais a importância do espaço onde vivem e da legislação ambiental, além de sinalizar o caminho para a restauração.
Miriam lembrou que a Apremavi trabalha com a implementação do Código Florestal desde 1987, quando a associação nasceu. “Sabíamos que não seria simples, mas a boa notícia é que temos muitos projetos que nos permitem dar escala e enfrentar o maior desafio que são as consequências das mudanças climáticas”, disse. Para cumprir as metas do Acordo de Paris até 2030, segundo ela, é preciso colocar em prática ferramentas como o Código, as quais “podem nos ajudar a dar conta desse trabalho que precisamos fazer”.
A ambientalista apresentou o manual Planejando Propriedades e Paisagens Sustentáveis, que apresenta informações sobre o bioma Mata Atlântica, sua importância para conservação da biodiversidade e serviços ambientais e aborda o tema de adequação ambiental dos imóveis rurais. Disponível no site da Apremavi, a cartilha traz argumentos que, de certa forma, podem motivar produtores rurais a apostar na
restauração e conservação florestal.
Plano de voo em ação
Passada uma década desde que o Novo Código Florestal entrou em vigor, uma dúvida ainda paira no ar: por que a legislação ambiental ainda não foi, de fato, implementada? Para as especialistas que participaram do debate, há uma explicação: falta vontade política. O que sobra, porém, é disposição de várias pessoas e organizações para fazer acontecer. “Vontade política a gente impulsiona com mobilização social.
Não dá para ficar esperando sentada, a gente precisa caminhar”, disse Roberta.
Para Lícia, um ponto crucial é fazer com que a restauração de áreas degradadas seja vista como um bônus, e não ônus. “As boas práticas são modelos, exemplos de lições aprendidas, ou seja, temos um plano de voo que já foi traçado”, avaliou, apontando a tríade produtor rural, monitoramento e recursos como essencial para os avanços necessários.
Já Miriam ponderou que as pessoas sabem da importância da floresta, mas ainda não fazem o vínculo com o impacto no dia a dia. Otimista, disse acreditar que também há um ponto de não retorno para as coisas positivas, em que não seja mais crível o descumprimento das leis ambientais. “Costumo dizer que um dos argumentos mais fortes é que plantar árvores traz felicidade, e isso não tem dinheiro nenhum que pague.
Painelistas
Flávia Ribeiro – Gerente de Comunicação / BVRio (Moderação)
Lícia Azevedo – Especialista em Políticas públicas para Florestas / TNC
Roberta del Giudice – Secretária Executiva / OCF
Mirian Prochnow – Conselheira / Apremavi
Assista ao debate na íntegra:
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