Na era dos dados e das fake news, fazer bom uso, gerenciamento e disseminação das inúmeras informações disponíveis é imprescindível. Especialmente quando o que está em jogo é a própria vida humana na Terra. Para auxiliar e acelerar o processo de restauração da vegetação nativa no Brasil e servir de bússola para organizações, decisores políticos e sociedade em geral, foi lançada a Plataforma do Código Florestal da Mata Atlântica, desenvolvida pela Imaflora, SOS Mata Atlântica, GeoLab USP/Esalq e Observatório do Código Florestal (OCF).Os dados fazem parte do estudo “O Código Florestal na Mata Atlântica”, publicado em setembro de 2021.
A plataforma apresenta – por meio de gráficos ou tabelas – as estimativas de déficit e excedente de Áreas
de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RL) no bioma, que podem ser consultadas por município, Estado ou tamanho do imóvel. O evento de lançamento da ferramenta foi mediado por Isabel Garcia-Drigo, coordenadora de Clima e Cadeias Agropecuárias do Imaflora, e também contou com a participação de Roberta Del Giudice, secretária-executiva do Observatório do Código Florestal, Rafael Bitante Fernandes, conselheiro do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, e Felipe Cerignoni, analista de geoprocessamento do Imaflora.
“Geração de informação é um dos pilares da democracia”
Para Roberta Del Giudice, secretária-executiva do Observatório do Código Florestal (OCF), a geração de informação é um dos pilares da democracia. Advogada com mais de duas décadas de atuação em Direito Ambiental, ela lembrou que, em governos autoritários, a primeira fonte de dissolução do processo democrático são justamente os geradores de informação, como a imprensa e a academia. “Então, ela
permite que a sociedade se mobilize, se envolva, saiba como as políticas públicas estão sendo implementadas, e essa é uma das razões para que o Observatório e seus membros trabalhem para essa geração de informação, para que toda a sociedade brasileira conheça nossa legislação florestal e que possa se envolver na implantação dessa política, que é tão importante para todos”, frisou. Num momento extremamente sensível, marcado pelo aumento no desmatamento e por impasses jurídicos, é fundamental, conforme Roberta, que a sociedade conheça a Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428/2006), que regulamenta o artigo da Constituição Federal que define o bioma como Patrimônio Nacional.
“Esse lançamento de uma plataforma com os dados da Mata Atlântica é de extrema importância tanto para a mobilização social, para a geração de mais informação quanto para crescimento econômico, desenvolvimento, igualdade social com base em informações sobre o meio rural brasileiro, para que
a gente consegue formular políticas públicas mais eficientes”, defendeu.
Contabilizar restauração como meta
Entre 2020 e 2021, foram desmatados 21.642 hectares da Mata Atlântica, um crescimento de 66% em relação ao registrado no período de 2019/2020, conforme o Atlas da Mata Atlântica. De acordo com Rafael Bitante Fernandes, biólogo e membro do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, os dados demonstram que, em um ano, se desfez um trabalho de três décadas de recuperação do bioma nos municípios de São Paulo, por exemplo. Além disso, a devastação recorde correspondeu à emissão de 10,3 milhões de toneladas de carbono equivalente na atmosfera. “Tudo isso nos preocupa. Precisamos começar a adotar esses instrumentos e agora temos essa ferramenta (a plataforma), que é uma super oportunidade para implementação do PRA, o Programa de Regularização Ambiental”, disse, destacando que o PRA “vai girar essa chave, para parar de contar desmatamento e passar a contar restauração”.
Fernandes reforçou que o Código Florestal é, em sua opinião, o principal instrumento legal para reverter o desmatamento. “A gente precisa parar com essa essa visão do desmatamento, que é uma aberração econômico-social que ainda a gente vive. A Mata Atlântica é um dos biomas mais ameaçados, restam pouquíssimos remanescentes”, afirmou. Conforme ele, a associação feita por pessoas desinformadas ou
mal-intencionadas entre desmatamento e desenvolvimento é “uma das maiores calúnias”. “A gente quer promover o desenvolvimento sustentável e, para isso, precisa recuperar a floresta, e a plataforma é a ferramenta para ajudar a gente um pouco nisso”, finalizou.
Uma plataforma-bússola
Reunir informações que sirvam de bússola. Coube a Felipe Cerignoni, analista de geoprocessamento do Imafora, apresentar a Plataforma do Código Florestal da Mata Atlântica, que pode ser acessada através do endereço www.codigoforestal.sosma.org.br. “O principal objetivo desse tipo de ferramenta é apoiar as decisões de planejamento territorial que possam otimizar a implementação do Código Florestal no Brasil. A gente começa pela Mata Atlântica, mas acho que é um recado importante para o restante do Brasil,
sejam essas decisões por compromissos públicos privados”, disse.
A plataforma, desenvolvida em parceria pelo Imafora, SOS Mata Atlântica, GeoLab USP/Esalq e Observatório do Código Florestal, utiliza informações de 27 bases de dados públicas, como as do Incra e do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Ao demonstrar funcionalidades da ferramenta, Cerignoni destacou que, ao longo do tempo, o público pode sugerir correções e melhorias. Além das estimativas de déficits e excedentes de APPs e RLs, também é possível avaliar alterações na cobertura de vegetação natural entre 2008 e 2020.
Tempo de agir
Se a falta de vontade política para a implementação de leis como o Código Florestal e a Lei da Mata Atlântica é uma realidade no país, é preciso arregaçar as mangas e agir. Para Roberta, com todas as informações disponíveis, seria possível implementar o Código de uma forma bem rápida, a partir de
uma mobilização de toda a sociedade. “A gente não precisa esperar a vontade política. Seria muito bom se ela viesse, mas a gente pode começar a implementação em campo, buscando a restauração de áreas e a observância do Código por produtores rurais. E a informação que a gente dispõe, através dessa ferramenta, é muito importante para que o Brasil continue sendo um ator importante em relação às mudanças climáticas”, declarou.
Por outro lado, Fernandes acrescentou a necessidade de se demonstrar que os benefícios da implementação do Código Florestal vão além das questões ambientais, pois recuperar biomas como a Mata Atlântica é grande vetor gerador de emprego e renda “A gente precisa começar a restaurar mentes
e corações para poder restaurar as florestas, que são tão importantes, e municiar a sociedade desse tipo de informação. Afinal, a gente sabe o quão importantes são as florestas até mesmo dentro dos sistemas produtivos”, ponderou.
Painelistas
Isabel Garcia Drigo – Especialista em governança socioambiental / Imaflora (Moderadora)
Roberta del Giudice – Secretária Executiva / Observatório do Código Florestal
Rafael Bitante – Gerente de Restauração Florestal / SOS Mata Atlântica
Felipe Cerignoni – Especialista em geoprocessamento e desenvolvimento web / Imaflora
Link para o debate na íntegra:
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