Todas as peças do quebra-cabeça estão dispostas na mesa, mas falta conexão entre as partes, um trabalho de integração. No caso do “puzzle” do Novo Código Florestal, um dos principais problemas é a ausência de vontade política. Isso porque, no entendimento dos especialistas que participaram do painel “Código Florestal em Campo”, há tecnologia e soluções disponíveis, bem como todo o aparato legal necessário. Diretor executivo da Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, Mauro Armelin foi quem intermediou o painel, e endossou o coro dos debatedores. “Nós temos um problema político: técnica
nós temos, as condições legais nós temos e agora precisamos da decisão política”, disse.
A necessidade de se investir em governança de terras e em sistemas agroflorestais foi um dos pontos destacados pelos painelistas. Participaram do debate Bastiaan Philip Reydon, economista e consultor do Kadaster Internacional nos Países Baixos, Henrique Marques, oficial de Programa no Centro Internacional de Pesquisa Agroflorestal (World Agroforestry – ICRAF) no Brasil, Rodolpho Zahluth Bastos, secretário-adjunto de Gestão e Regularização Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará, e Pedro Amaral, gerente de Sustentabilidade da Mars Petcare
Governança como prioridade
Um dos países com a maior concentração fundiária do mundo, o Brasil não irá solucionar o problema do desmatamento sem implementar uma boa governança de terras. A constatação é de Bastiaan Philip Reydon, economista, consultor e professor aposentado da Unicamp. Ele, que atualmente presta serviços para o Kadaster Internacional nos Países Baixos, lembrou que o desmatamento é fruto de processo de especulação fundiária e que normalmente ocorre em terras devolutas ou não destinadas – o que, no caso brasileiro, corresponde a uma área de 200 milhões de hectares. “E a pecuária é uma forma de se apossar dessas terras”, disse, acrescentando que o país possui uma situação fundiária complexa, marcada pela expansão agrícola desordenada, pressão sobre a floresta, corrupção/grilagem e conflitos pela terra.
Conforme o especialista, a indefinição dos direitos de propriedade no Brasil gera tais problemas. Por isso, a governança – o conjunto de regras, processo, e organizações pelas quais se determina o uso e acesso à Terra no país – é fundamental. “Com base nisso (no como, o quê, quem, quando e onde), a gente pode estabelecer os direitos e as restrições, as responsabilidades. Porque a terra não é só um direito. A terra estabelece uma responsabilidade também”, afirmou. Entre os benefícios da governança, estão a transparência na gestão territorial e garantias aos direitos em geral, combate à pobreza, segurança nos direitos associados à posse da terra, direitos de propriedades transparentes e identificação de propriedades. Reydon citou uma série de exemplos positivos, inclusive no Brasil, e concluiu: “não é um problema técnico, é um problema político”.
Agroflorestas e compromissos climáticos
Os sistemas agroflorestais (SAFs) ou agroflorestas, que associam árvores a culturas agrícolas, têm um potencial enorme de auxiliar o país no cumprimento dos compromissos climáticos e também na transição para uma economia de baixo carbono. Mas o caminho até lá é sinuoso. Oficial de Programa no Centro Internacional de Pesquisa Agroflorestal (World Agroforestry – ICRAF) no Brasil, Henrique Marques também endossou o coro dos que lamentam a falta de vontade política para apostar nas soluções. “É preciso estruturar, investir e não vai ser do dia para a noite. Temos muitos instrumentos, falta vontade política. Os desafios são enormes e as soluções estão aí”, disse.
Marques explicou que existem vários modelos de SAFs e que cada família possui sua estratégica. Quanto aos benefícios, a lista é extensa: vão desde os aspectos econômicos para os produtores até as vantagens ambientais, relacionados à melhora da qualidade da água e solo, entre outros. O Código Florestal permite a exploração agroflorestal em Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal (RL). Contudo, segundo Marques, a falta de regulamentação e detalhamento sobre o que pode ser feito nestes locais gera uma insegurança, tanto nos produtores como nos técnicos e fiscais. Para dar escala e avançar, ele apontou a necessidade de se estabelecer fóruns de debates, programas de assistência técnica e facilitação de acesso ao crédito rural.
Um trabalho para muitas mãos
Nos últimos anos, o Pará tem se esforçado para sair da lista de estados que mais desmatam a Amazônia Legal, um ranking que costuma liderar. Com a decisão política reconhecendo a urgência de se implementar o Novo Código Florestal, os resultados começam a aparecer, como as sequências de recordes de análises de Cadastros Ambientais Rurais (CARs). Os avanços na validação desses dados, a
partir da estratégia de municipalização, é uma das metas do Programa Regulariza Pará, que compõe o Plano Estadual Amazônia Agora, instituído por um decreto estadual em 2020. Secretário adjunto de Gestão e Regularização Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará, Rodolpho Zahluth Bastos apresentou detalhes do programa.
De acordo com o secretário, foram feitos investimentos e capacitações, assim como a integração da agenda de projetos para incremento da análise do CAR. “A gente percebe que o desafio de implementação do Código Florestal, por exemplo, não é um desafio exclusivo de um órgão ambiental. Ele é uma agenda que, para ser implementada precisa ter um envolvimento de vários órgãos”, disse. Bastos recordou que, na primeira década do Novo Código, despendeu-se muito tempo no desenvolvimento do sistema e nas questões relacionadas ao prazo de inscrição no CAR. “A segunda fase, da análise, é bem
mais recente”, ponderou.
Um código-âncora
Para empresas engajadas e com responsabilidade socioambiental, o Código Florestal serve como âncora
dos compromissos assumidos diante de um público cada vez mais exigente. É o caso da Mars Petcare, uma companhia familiar que está há mais de 40 anos no Brasil, onde possui quatro fábricas. Gerente de Sustentabilidade da empresa, o engenheiro agrônomo Pedro Amaral destacou que a legislação é um
elemento-chave no compromisso da Mars com o desmatamento e emissões líquidas zero até 2050. “Por conta do Cadastro Ambiental Rural (CAR), é possível que os nossos fornecedores verifiquem, a nível da fazenda, elementos que são caros para a Mars e que fazem parte também do nosso compromisso público de compra relacionados, por exemplo, à sobreposição com Unidades de Conservação ou com terras indígenas”, disse.
Embora não se trate de um sistema perfeito, devido à falta de análise e validação dos cadastros, o CAR está avançando e é uma base de dados sem igual, segundo Amaral. E tal fato merece ser celebrado. De acordo com o agrônomo, “a base de dados que se construiu no Brasil por conta da implementação do Código Florestal coloca o país numa posição de vantagem para ter essa análise realizada, com dados
muito robustos”. Ele encerrou sua fala ressaltando que o Novo Código “é uma peça-chave para empresas no final da cadeia, para empresas com compromissos relacionados à legalidade na origem da produção da matéria-prima”.
Boas práticas em campo
Título do painel, o Código Florestal em campo, na prática, significa adoção de boas práticas que irão se traduzir em redução de emissão de gases de efeito estufa, ao fim do desmatamento ilegal e à agricultura regenerativa, na opinião dos especialistas. No entanto, é fundamental conhecer o território brasileiro, segundo o economista e consultor Bastiaan Philip Reydon. “O CAR conhece o que as pessoas acham que é o território de cada um. O Sigef, o sistema integrado de governança de terras, é fundamental para a gente poder avançar. O CAR ajuda, mas não resolve, pois precisamos estar conectados com o título de propriedade, com os direitos que estão lá”, frisou.
Secretário-adjunto de Gestão e Regularização Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Rodolpho Zahluth Bastos insistiu que a agenda de implementação do Código não trabalho de um homem, ou melhor, de um órgão só: “É preciso entender essa aplicabilidade do
Código Florestal em importância para os diferentes públicos, porque o CAR é importante, por exemplo, para escoar a produção, para a cadeia produtiva, mas o CAR é importante também para o pequeno obter um crédito rural, para que ele tenha uma aposentadoria rural. Existem diferentes motivações e diferentes formas de solução que precisam ser pensadas de forma integrada pelos diferentes agentes, não só do governo, mas órgãos de controle, academia”, frisou.
Painelistas
Mauro Armelin – Diretor executivo / Amigos da Terra – Amazônia Brasileira (Moderação)
Bastiaan Philip Reydon – Professor/ Unicamp
Henrique Marques – Oficial de Programas / ICRAF no Brasil
Rodolfo Zahluth Bastos – Semas PA
Pedro Amaral – Gerente Sênior de Sustentabilidade Global / Mars Petcare
Link para o debate na íntegra:
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