De um lado, ações de inconstitucionalidade, leituras divergentes, conflitos entre legislações. Do outro, morosidade nas análises, validações e adesões aos programas de regularização. O Observatório do Código Florestal (OCF) reuniu um time de especialistas na área do direito ambiental para tratar dos desafios enfrentados cotidianamente por órgãos como o Ministério Público para garantir o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
No painel intitulado “Código Florestal e legalidade da atividade agrícola”, moderado por Raul Valle, WWF Brasil, participaram Fábio Fernandes Corrêa, promotor de Justiça do Ministério Público da Bahia, Ricardo Negrini, procurador da República no Pará, e Gabriel Lino Pires, promotor de Justiça do Estado de São Paulo.
Prazo (e não prazos) para restaurar
Manutenção do clima e da biodiversidade, retenção do carbono, conservação do solo… É extensa a lista
dos benefícios ambientais – sem falar nos econômicos – da preservação da Reserva Legal. Esta área localizada no interior das propriedades, de acordo com o Código Florestal, tem “a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a
reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da fora nativa”.
Além da definição, a legislação ambiental também estabeleceu o prazo para a sua recomposição, o que tem gerado interpretações errôneas, segundo Fábio Fernandes Corrêa, promotor de Justiça do Ministério Público da Bahia. Gerente do programa Floresta Legal, ele esclarece: os 20 anos citados pela lei começaram a contar a partir de 2012, o ano da promulgação do Novo Código Florestal, que diz que a recomposição da reserva legal “deverá atender os critérios estipulados pelo órgão competente do Sisnama e ser concluída em até 20 (vinte) anos, abrangendo, a cada 2 (dois) anos, no mínimo 1/10 (um
décimo) da área total necessária à sua complementação”.
Corrêa realizou um estudo sobre o prazo da recomposição da RL para o seu mestrado em Ciências e Tecnologias Ambientais, pela Universidade Federal do Sul da Bahia. Uma das conclusões foi que 71% dos imóveis analisados pelos órgãos ambientais apresentavam cronograma para além de 2032, sendo que, na maioria dos casos, a contagem havia começado a partir da inscrição no CAR. “É importante que os gestores dos Cadastros Ambientais Rurais, tenham mecanismos para coibir essa prática, para que os imóveis, na verdade, tragam o cronograma de recuperação das suas reservas legais até 2032”, destacou.
Entraves para a eficiência
A concepção do Novo Código Florestal, de 2012, foi, de certo modo, uma reação política a uma atuação mais forte do Ministério Público na implementação das normas da versão anterior da lei, de 1965. A observação foi feita por Gabriel Lino Pires, promotor de Justiça do Estado de São Paulo. Há 10 anos atuando no Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), do MPSP, ele lembrou que a causa florestal vem sendo objeto de preocupação do órgão há bastante tempo. “Se antes se discutia que o que estava previsto na lei não era suficiente, agora nós temos algo mais grave, que é nem o que está na lei não conseguimos implementar”, disse ele, que detalhou alguns dos entraves para a efetivação
da lei em São Paulo.
Carência de estrutura e ineficiência na gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) que passou da secretaria do Meio Ambiente para a de Agricultura, foram alguns dos gargalos apontados pelo promotor. Para Pires, é inaceitável que, há anos, as pessoas estejam se inscrevendo no CAR, mas que tais inscrições acabam por não ser analisadas e validadas. “Desenvolvimento econômico é crescimento com paralela
garantia de direitos, proteção dos direitos fundamentais, inclusive de um ambiente equilibrado. Então, esperamos que São Paulo logo demonstre algo compatível com essa sua condição de Estado desenvolvido”, disse.
Extremamente relevantes para a economia do país, o setor agropecuário também possui um peso político significativo, o que, segundo Pires, acaba muitas vezes se traduzindo em lobby para flexibilizar e enfraquecer as normas protetivas. “Do outro lado, aqueles que militam na aplicação da lei. Nós, do Ministério Público, temos o dever de buscar a implementação efetiva das leis. Então, buscamos mudar um pouco a realidade para que ela se aproxime das disposições legais”, afirmou. “É nosso trabalho lutar sempre, sem esmorecer”, finalizou.
Benefícios econômicos e ambientais
Desenvolvimento e preservação caminham lado a lado, e não em direções opostas, no entendimento de Ricardo Negrini, procurador da República no Pará. Esta falsa dicotomia com a qual o Ministério Público se depara diariamente, segundo ele, está na raiz de várias políticas públicas brasileiras. Com o Código Florestal não foi diferente, e essa má interpretação leva a dificuldades no cumprimento da legislação. “Essa lei de 2012 é fundamental para a proteção da vegetação nativa e possui uma série de normas que, se fossem hoje completamente observadas, a gente já teria uma situação muito melhor. Falo principalmente pelo que vejo na Amazônia, nós estamos num bioma bastante sensível”, disse.
Conforme Negrini, a pressão do Ministério Público e de outros parceiros contribuiu para acelerar a inscrição de propriedades no Cadastro Ambiental Rural, que já ultrapassa os 250 mil imóveis. Além disso, nos últimos anos, a análise automatizada, com o auxílio de ferramentas tecnológicas, também possibilitou um avanço na validação. Contudo, os desafios agora concentram-se na adesão ao Programa de Regularização Ambiental. “Estamos buscando soluções para que a gente possa destravar a regularização ambiental, que passa pela validação do Cadastro Ambiental Rural. Acredito que, com isso, será possível promover uma recuperação dessas áreas degradadas e, consequentemente, a gente vai ter condições de contribuir junto com demais órgãos ambientais para alguma melhora nesse cenário”, declarou.
Segundo o procurador, o Ministério Público Federal tem atuado para permitir que os produtores rurais possam voltar a comercializar com os frigoríficos que assinaram os Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) da Carne, acordos firmados desde 2009 para tentar evitar a compra de gado de fazendas com desmatamento, entre outras irregularidades. Nesse sentido, o órgão tem aceitado determinadas demonstrações de empenho ambiental por parte do produtor rural, como cercar a área do desmatamento ou realizar o pagamento de indenização.
Caminhos para a implementação
No encerramento do painel, o promotor Fábio Fernandes Corrêa lembrou que 90% do território brasileiro está na mão de 10% dos proprietários rurais. Por isso, para a efetiva implementação do Código Florestal, é preciso investir nos Programas de Regularização Ambiental (PRAs), que devem ser claros e oferecer segurança jurídica para adequação. A assistência técnica é outro ponto importante, segundo ele. “A
recuperação não é barata, leva tempo, mas, se não tiver a devida assistência técnica, ela, de fato, vai demorar muito mais para acontecer”, disse.
Já o promotor Gabriel Lino Pires concordou com a urgência da efetiva implementação da lei, ao invés de multas: “Até porque, se você responsabiliza o Estado, quem vai pagar novamente a conta é o contribuinte. Porque o Estado nada mais é do que a união dos nossos esforços. Então, a sociedade perde com o dano ambiental e é ela que tem que pagar de novo por uma indenização”.
O procurador da República Ricardo Negrini finalizou chamando a atenção para a importância das cadeias
econômicas. “Acredito que diante das dificuldades todas e sem desistir de lutar para que o Estado se estruture e cumpra o seu papel, a gente olha cada vez mais para a força que tem o próprio mercado”, disse, destacando que as empresas estão empenhadas em rever suas condutas, num momento de maior conscientização por parte do consumidor.
Painelistas
Raul Telles – Coordenador de incidência política / WWF Brasil (Moderador)
Fábio Corrêa – Promotor de Justiça / Ministério Público do Estado da Bahia
Ricardo Negrini – Procurador da República / Pará
Gabriel Lino Pires – Promotor de Justiça / Estado de São Paulo
Link para o debate na íntegra:
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