Falta de água, deslizamento de terra, alta nos preços dos alimentos. Basta ligar a TV, abrir um jornal ou acessar as redes sociais para se deparar com notícias que tratem dessas questões – que, de certa forma, estão relacionadas com a implementação (ou não) do Código Florestal. Fazer esta relação de causa e efeito, sensibilizando a população para a importância da legislação ambiental, é um dos principais desafios para os comunicadores que cobrem a temática ambiental. Esta foi a conclusão dos participantes da oficina (Des)cobrindo o Código Florestal, que deu largada no evento que marcou a primeira década da nova lei de proteção da vegetação nativa do Brasil.
Mediado pelo jornalista Reinaldo Canto, diretor de projetos especiais da Agência Envolverde, o debate contou com a presença de Beto Mesquita, diretor de Políticas e Relações Institucionais da BVRio, Marco Lentini, coordenador sênior de projetos da Imaflora, Amélia Gonzalez, jornalista do blog Ser Sustentável, e Flávia Ribeiro, gerente de comunicação da BVRio. Na abertura do painel, Canto afirmou que os trágicos números do desmatamento são um prenúncio dos grandes desafios pela frente. “Neste quadro da nossa história, vai ser preciso mais do que celebrar o aniversário do Código, mas ampliar o engajamento de toda a sociedade brasileira nessa discussão que interessa a todos nós”, disse.
Um olhar para o passado
Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Novo Código Florestal foi possivelmente a proposta que mais movimentou o Congresso Nacional, lembrou Beto Mesquita, engenheiro florestal e diretor de Políticas e Relações Institucionais da BVRio. Foram inúmeras audiências, emendas e 12 anos de discussões até a aprovação da lei – um processo bem diferente do que ocorreu nas versões anteriores da legislação, que nasceu em 1934, no governo Getúlio Vargas.
Diante da expansão da cafeicultura e, consequentemente, do desmatamento da mata Atlântica, o Código surgia com um viés de proteção, mas também como forma de garantir o suprimento de matéria-prima, pois entendia florestas como reservas florestais. Já a segunda versão da legislação foi construída, em 1965, por um conjunto de especialistas, a pedido do Ministério da Agricultura, e não fruto de um longo debate legislativo. Foi quando foram criadas as figuras da Reserva Legal e da Área de Preservação Permanente.
Mesquita ressaltou a importância de se fazer esse resgate histórico, além de desmistificar a ideia de que o Código é “uma jabuticaba”. Ou seja, algo que só existe no Brasil, o que acaba sendo interpretado como “entrave”. “É importante ter claro esse mito quando a gente olha para o Código como oportunidade de garantir o capital natural do qual depende um dos principais segmentos econômicos do país, que é o agronegócio. Sem as florestas, os ecossistemas naturais, que são a base de sustentação do agronegócio, não teríamos a pujança do agronegócio, mesmo com todo o avanço tecnológico”, disse.
Além disso, traduzir a “sopa de letrinhas” da legislação e lançar luzes sobre o seu impacto no dia a dia foram apontados pelo engenheiro florestal como outra importante missão para os jornalistas. Isso porque, com a maior parte da população vivendo em áreas urbanas, o Código Florestal pode parecer um assunto distante, embora não seja. “O Código não apenas garante o capital natural do qual o agronegócio depende, mas também garante condições de segurança hídrica, de estabilidade das encostas, de proteção das bacias hidrográficas para garantir o nosso abastecimento e a proteção das nossas próprias vidas.”
Vigilância através de dados
No jornalismo, há uma expressão para a importância da função social da profissão: watchdog. Sim, jornalistas são como cães de guarda da sociedade. E o chamado jornalismo de vigilância é fundamental para que as leis saiam do papel. Para Marco Lentini, engenheiro florestal e coordenador sênior de projetos da Imaflora, cabe à imprensa compreender e se envolver no cumprimento do Código Florestal. Ele apresentou dados e informações disponíveis para monitoramento da legislação. “Não se trata apenas do cumprimento de uma lei. Estamos falando de questões ambientais caras e importantes não só para a sociedade, mas para o nosso estilo de vida”, destacou.
Lentini iniciou sua intervenção fazendo uma breve revisão do arcabouço legal. Há uma série de leis que preveem a abertura de dados e transparência por parte dos órgãos públicos, do artigo 5º da Constituição à Lei de Acesso à Informação, apesar de a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), de 2018, restringir o acesso a dados pessoais. Nos últimos 10 anos, segundo ele, houve um avanço grande em termos de geração de informação. Atualmente, existem plataformas de análise e visualização do cumprimento do Código. Ou seja, é possível acompanhar os níveis de desmatamento, degradação e mudanças do uso da terra, estados das áreas de Reserva Legal (RL) e Áreas de Preservação Permanente (APPs) nas propriedades, implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), entre outros.
Contudo, apesar dos avanços, ainda existem muitas falhas. “Um nível adequado de transparência em alguns dos temas ambientais chaves ainda é incompleta.” O catálogo de fontes de dados apresentado por Lentini contempla desde órgãos oficiais (como Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) a plataformas da sociedade civil (como projeto MapBiomas.
Conexões para gerar cidadania
Fazer a costura, ligar os pontos e atrair a atenção do público com boas histórias. Esse é o papel principal do comunicador do tema da sustentabilidade, conforme a jornalista Amélia Gonzalez, editora do blog Ser Sustentável e co-autora do livro “Cuidar de Si”. Repórter e editora no O Globo por 30 anos, onde foi responsável pelo caderno Razão Social, ela compartilhou fatos sobre sua carreira. Para Amélia, embora o termo sustentabilidade tenha se popularizado nas últimas décadas, o tema ainda não se tornou tão urgente para o dia a dia dos cidadãos. “Pouca coisa mudou no que se julga necessário para se evitar os eventos extremos, como secas e tormentas. Em 2021, o relatório da Organização Meteorológica Mundial, do escritório da ONU para Redução do Risco de Desastres, mostrou que os eventos extremos foram responsáveis por 45% de todas as mortes nos últimos 50 anos”, constatou.
De acordo com Amélia, os líderes dos países estão fazendo uma coisa e dizendo outra, mas uma coisa é certa: estamos a caminho de um aquecimento global maior do que 1,5 graus acordados no Acordo de Paris. Nesse cenário, o papel dos comunicadores torna-se ainda mais relevante: “Nós queremos informar as pessoas e ajudar a criar massa crítica, levando em conta que o tema precisa de mais cidadãos e não consumidores. Para isso, precisamos ter informação de qualidade circulando”, acrescentou.
Fazer links, mostrando que o impacto das alterações climáticas é uma questão de presente e não de futuro é um dos caminhos a ser seguido. A jornalista aconselha os colegas de profissão a relacionar os efeitos adversos ao dia a dia, à saúde humana, pois, no fim das contas, é disso que se trata. “O problema não é como salvar o planeta, porque o planeta vai continuar, mas como salvar a humanidade”, disse, lembrando que estudos demonstram que a poluição mata 7 milhões de pessoas por ano.
O poder das boas histórias
Se a sensibilização do público para a temática ambiental passa por contar boas histórias, encontrar bons personagens é um desafio em tempos de trabalho híbrido, em que o jornalista passa um bom tempo na redação. Para Flávia Ribeiro, gerente de comunicação da BVRio, a ida ao campo é fundamental para descobrir boas histórias. “Às vezes, a gente tem o assessor de imprensa que visitou uma região, que tem vídeo ou release para mostrar o que ele viu a campo, mas nada melhor do que o jornalista ir diretamente ouvir esses testemunhos, e essas histórias que fazem a diferença”, disse.
O mesmo conselho vale para quem está do outro lado do balcão, segundo ela. “Para se vender uma boa pauta, a gente tem que ir a campo e entender exatamente a realidade daquela população, daquela comunidade, daquele projeto”, frisou. Flávia endossou o entendimento dos seus colegas, de que os profissionais de mídia precisam fazer o link entre os impactos das mudanças climáticas com o dia a dia da população. “O tema do meio ambiente é transversal. Sinto, hoje, que para emplacar boa pauta o jornalista deve fazer essa conexão dos impactos no dia a dia, reais, que estão afetando o bolso das pessoas.”
O apelo dos bons personagens, matérias mais propositivas e um olhar atento para as redes sociais – um campo de batalha para disputa de narrativas, em tempos de negacionismo – foram outros aspectos destacados por Flávia. “É preciso entender que sem boas histórias a gente não tem boa pauta”, concluiu.
Em todas as frentes
Se a missão é fazer a informação de qualidade chegar à população, vale quase tudo. Ao fim do debate, Beto Mesquita lembrou que “estamos em um momento de tiktokzação”. “As redes sociais se tornaram fontes de informação, o que pode ter um aspecto positivo, mas, também, pode se transformar num aspecto extremamente negativo”, disse. Os demais participantes concordaram que é preciso estar em todas as frentes para combater as fake news disseminadas pelos negacionistas do clima. A jornalista Amélia Gonzalez ponderou que a qualidade do conteúdo deve ser a bússola, e não a quantidade de likes. “O tema de como gerar informação, de como pautar a sociedade, sem dúvida, é uma missão que vale a pena ser feita com qualidade”, acrescentou Marco Lentini, do Imaflora.
Painelistas
Reinaldo Canto – Jornalista / Envolverde (Moderador)
Beto Mesquita – Diretor de Florestas e Políticas Públicas / BVRio
Marco Lentini – Coordenador Sênior de Projetos / Imaflora
Amelia Gonzalez – Jornalista / Blog Ser Sustentável
Flávia Ribeiro – Gerente de Comunicação / BVRio
Assista ao debate na íntegra:
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