Contexto:
Para alguns estudiosos, a Caatinga ocupa cerca de 844 mil km2. Outros a consideram mais extensa, podendo chegar a até pouco mais de um milhão de km², o que representaria em torno de 11% do território brasileiro (GUSMÃO et al., 2016). Abrange os estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais. O bioma também se sobrepõe ao Semiárido, se caracteriza por ciclos de seca seguidos por um regime de precipitações irregulares e abriga uma elevada diversidade de espécies de fauna e flora.
Na região, vivem aproximadamente 27 milhões de habitantes, dos quais 38% em áreas rurais, sendo a crescente heterogeneidade de suas estruturas socioeconômicas uma das principais características desse espaço regional (IBGE, 2011). Tais estruturas introduzem uma dinâmica própria em áreas agropastoris tradicionais do interior que acelera as forças fragmentadoras do território, uma região marcada historicamente pela desigualdade socioeconômica e pelos extensos entornos pobres com altos índices de vulnerabilidade social (FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO, 2018).
Trata-se do único bioma exclusivamente brasileiro. Porém é o menos estudado entre todos, e sofre um contínuo e sistemático processo de degradação ambiental que se expressa no consumo de seus ativos ambientais; forte ameaça à conservação da sua biodiversidade com elevado risco de extinção de espécies endêmicas; desmatamento como maior fator de impacto – atingindo 46% da área original do bioma, seguido por incêndios, caça predatória, corte ilegal e seletivo de madeira, mineração, crescimento urbano desordenado (FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO, 2018).
O desmatamento ilegal vincula-se à questão energética na Caatinga, pois toda a lenha e carvão extraídos da mata nativa seguem para indústrias de gesso, cerâmica ou siderúrgica dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. (ANDRADE, 2013). O longo processo histórico de ocupação territorial modificou cerca de 80% da cobertura original da Caatinga, restando cerca de 9% de sua área protegida em 36 Unidades de Conservação (UCs), sendo que, desse total, apenas 2% são unidades de proteção integral.
A acelerada modificação da cobertura original da Caatinga é um dos indícios das dificuldades de se cumprir o Código Florestal em benefício da conservação do bioma. Esse fato implica, entre outras coisas, em processos de desertificação e de extinção de espécies (LIMA, 2016). E o Código Florestal pouco colaborou para sanar problemas cruciais para o futuro do bioma. É o caso da possibilidade de supressão da vegetação nativa em Áreas de Preservação Permanente (APP). Outro dilema a ser vencido é a decisão de se manter ou não explorações consolidadas irregulares em tais áreas ao longo dos anos, especialmente aquelas perpetuadas de boa fé, por extrema necessidade, fato bastante comum em APPs da Caatinga (AMADO, 2014).
Além disso, o Novo Código Florestal abriu brechas para redução de parte da Reserva Legal (RL) e isentou proprietários da obrigação de recompor áreas ilegalmente desmatadas, tornando-se um catalisador no processo de desertificação da Caatinga (LIMA, 2016). Tal processo se reflete na população local e implica a pobreza, a violência, a infraestrutura ineficiente das cidades e o êxodo rural, o que leva à saturação das periferias das grandes cidades. (LIMA, 2016).
Desafios e soluções
Desafio 1: Caatinga tem poucas Unidades de Conservação e baixa efetividade na gestão nessas áreas.
Conciliar populações humanas, biodiversidade, serviços ecossistêmicos e adaptação climática pressupõe novas formas de pensar a região ou um novo modelo de desenvolvimento. (TABARELLI et al., 2017 apud TABARELLI et al., 2018). Em pesquisa desenvolvida em 14 UCs pela Fundação Joaquim Nabuco (2018), um dos desafios relacionados à conservação da Caatinga e proteção destas UCs é a lacuna de conhecimento e estudos sobre o bioma Caatinga. Enquanto isso, a degradação já chega a cerca de 2.5 mil km2 em UCs de proteção integral.
Os problemas mais graves são a falta de regularização fundiária e de demarcação das áreas protegidas, a fiscalização precária, poucos especialistas em fauna e flora, reduzido número de brigadistas e servidores do ICMBio para gerir as áreas, que carecem também de infraestrutura local e manutenção das instalações. Há pouco ou nenhum conhecimento por parte da população local da importância da conservação da biodiversidade do bioma nas UCs. Somam-se a isso graves conflitos socioambientais entre as populações tradicionais e do entorno das UCs e os baixos indicadores socioeconômicos que impossibilitam a formulação, implantação e monitoramento de políticas de educação ambiental e desenvolvimento sustentável.
Solução 1: Mais áreas protegidas e estratégias de gestão compartilhadas.
Segundo Fonseca et al. (2018) é de vital importância para o futuro da Caatinga expandir as áreas no bioma que estão sob os cuidados da União e aumentar consideravelmente os recursos federais para gestão das UCs existentes. Alianças entre os governos federal e estaduais com empresas através do desenvolvimento de mecanismos de apoio para a criação e gestão das UCs também precisa entrar no rol das soluções para ampliar a rede de áreas protegidas na Caatinga. Uma possibilidade seria aproveitar o atual crescimento da indústria ligada à energia eólica para expansão da rede de UCs por meio de mecanismos compensatórios. Outro caminho seria buscar benefícios via parceiros internacionais mobilizados em torno da biodiversidade global, como ocorre na Amazônia (FONSECA et al., 2018).
Solução 1.2: Mais recursos e pesquisa para as áreas protegidas da Caatinga.
Em termos absolutos, grandes superfícies das áreas definidas prioritárias para o estabelecimento de novas Unidades de Conservação localizam-se na Bahia, Ceará, Piauí e Pernambuco, principalmente em função direta da disponibilidade do bioma dentro de cada estado (FONSECA et al., 2018). Assim, uma estratégia efetiva de conservação da Caatinga envolveria a criação de novas UCs, tanto de Proteção Integral, como de Uso Sustentável.
As oportunidades serão maiores se houver aporte de recursos do governo federal para gestão das UCs da Caatinga, desenvolvimento de projetos de educação ambiental nas escolas públicas dos municípios que têm parte do seu território em UCs ou localizam-se no entorno delas (aproximadamente 84 municípios). É preciso ainda mais apoio à pesquisa nas áreas protegidas e fortalecimento das políticas relacionadas à conservação da biodiversidade (FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO, 2018).
Para superar os desafios atrelados à conservação do bioma e à proteção das UCs, serão necessários novos concursos para o ICMBio, aumento significativo do número de brigadistas, atualização e elaboração de Planos de Manejo, demarcação de áreas legais, regularização fundiária, apoio à pesquisa, manutenção das instalações já construídas (Esec Seridó), e ainda novas e melhores instalações (Parna Catimbau). As soluções também precisam incluir a melhoria do relacionamento com as populações locais (Parna Itabaiana, Catimbau, Serra Negra e outras UCs), contratação de antropólogos e sociólogos para auxiliar nos conflitos étnicos e culturais, especialmente com as populações tradicionais indígenas e quilombolas, aumento na fiscalização ambiental por meio de parcerias com as policias militares estaduais, e elaboração de Parcerias Público-Privadas (PPPs) referentes à gestão de UCs com vistas ao uso de recursos de compensação ambiental (FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO, 2018)
Desafio 2: Desmatamento na Caatinga atinge áreas prioritárias para a conservação.
Em 2009, a Caatinga ainda detinha 54,5% de sua cobertura original intacta. Ao considerar as Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade da Caatinga – descritas na Portaria no 223/2016 do Ministério do Meio Ambiente –, nota-se que a perda média de habitat varia bastante entre essas áreas. Enquanto algumas perderam 99,6% de sua cobertura, outras apenas 0,03%, sendo que a taxa de desmatamento de 2002 a 2009 indicou que, em média, elas perderam anualmente 0,7% de sua cobertura.
Solução 2: Restaurar e reconectar as áreas de vegetação nativa.
De acordo com Fonseca et al. (2018), uma das oportunidades para conservação do bioma é a restauração da vegetação nativa, visando aumentar a conectividade dos remanescentes de Caatinga. Os projetos de restauração, no entanto, devem pautar-se por estudos que indiquem as melhores estratégias para restabelecer esta vegetação e pela definição de áreas prioritária que, se restauradas, resultem em um maior ganho para a conectividade do bioma.
Desafio 3: Apoiar a implementação do Código Florestal na Caatinga depende de instrumentos econômicos.
A ausência de instrumentos econômicos que sustentem na prática a implementação do Código Florestal é um problema que afeta todos os biomas indistintamente, mas que tem peso maior para a Caatinga, destituído de outras políticas que acenem para aumentar a proteção do bioma, como por exemplo do baixo percentual de áreas protegidas na região.
As linhas de crédito para recuperação em RLs e APPs são em volume quase dez vezes menor do que a estimativa de demanda anual entre 2015 e 2019. Falta ainda a definição de mecanismo de compensação ambiental em RL, como Cota de Reserva Ambiental (CRA) ou UCs, por parte das linhas de financiamento atuais.
Solução 3: Atuar junto ao governo para estabelecer instrumentos financeiros efetivos.
Azevedo et al. (2014) frisam a necessidade de ajuste fiscal em contexto nacional complicado, bem como as dificuldades inerentes ao ajuste tributário para inserção do tema desses instrumentos na implementação do CF nos debates no Congresso e no Executivo.
A regulamentação do capítulo X do Código Florestal, que trata do Programa de Apoio e Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente, e a aprovação de adaptações em mecanismos devem ser prioridade. Os ajustes precisam contemplar a definição dos objetivos ou resultados esperados com a adoção do instrumento econômico correlato, bem como a análise da adequação e do potencial de efetividade de diferentes tipos de instrumento econômico.
Será preciso ainda escolher o instrumento econômico adequado considerando as finalidades de cada instrumento na análise de potencial efetividade, os custos de implementação e a margem de benefício econômico que cada um pode gerar para que uma escolha errada não resulte em adversidades, como, por exemplo, priorizar a arrecadação, ao invés de gerar incentivo à mudança de comportamentos, ou em ineficiência, com mais incentivos aos produtores já beneficiados.
Fundamental também será garantir a qualidade do Cadastro Ambiental Rural (CAR) – monitoramento e transparência – e a disponibilidade de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) qualificada e acessível para implantação e efetividade dos instrumentos em questão.
Oportunidades
Com o intuito de garantir o legado biológico e cultural da Caatinga para as futuras gerações, algumas oportunidades para conservação do bioma apontam para duas direções, sedo uma mais voltada ao mercado, cujos pontos principais seriam:
A outra vertente de oportunidades indica possiblidades quanto às políticas públicas de conservação, uso sustentável da biodiversidade e uso do solo:
Conclusões
Os processos educacionais são a base para o desenvolvimento de qualquer nação, portanto, ciência, tecnologia, inovação e apoio ao desenvolvimento de estudos e pesquisas direcionados à conservação da Caatinga correspondem aos pressupostos para elevar tal conservação. Esses processos devem facilitar e promover a participação social mais ativa da população local, e aumentar a conscientização ambiental.
Os governos federal e dos estados que integram o bioma têm papel protagonista para superar os desafios levantados e concretizar as oportunidades listadas, sendo as parcerias com o setor privado produtivo e com organismos internacionais opções para alavancar os investimentos.
As organizações do Terceiro Setor ou as redes formadas por essas instituições também se tornam essenciais no que tange ao acompanhamento, monitoramento e pressão para cumprimento da Lei de Acesso às Informações e Transparência Pública, isto é, para promover a mudança na cultura dos órgãos públicos, passando a tratar a transparência como regra e o sigilo como exceção, além da importância de desenvolver ações de advocacy para apoiar a superação e a concretização mencionadas.
As organizações também são relevantes para avaliar e monitorar a implementação do Código Florestal vigente, principalmente para acompanhar o estado da arte do CAR e do PRA nos diversos estados que compõem a Caatinga.
O fortalecimento do Snuc nesse bioma endêmico é fundamental para alavancar a preservação e a conservação dele, seja pela criação de novas unidades ou pela implementação e aprimoramento da gestão nas unidades já existentes.
Fica evidente que as políticas tradicionais de comando e controle não deram e não dão conta dos grandes desafios para conservação do bioma. Portanto, o aproveitamento das oportunidades apontadas passa pelo avanço para políticas mistas de comando e controle, ou seja, pelo uso de instrumentos econômicos e pela pactuação de metas progressivas junto aos atores sociais. O avanço enfatizado é essencial e extremamente relevante para a implementação do Código Florestal no bioma, bem como para uma maior efetividade de políticas como o SNUC, a política nacional de mudanças climáticas, a política nacional de recursos hídricos, a recém-criada política nacional de PSA e outras.
Referências bibliográficas
O Termômetro do Código Florestal é uma ferramenta do Observatório do Código Florestal para acompanhamento da implementação do Código Florestal […]
“Cerrado de pé! É o que a gente quer!”, entoavam em coro enquanto empunhavam as mãos para cima os participantes […]
Situação crítica dos incêndios, impactos à saúde e Manejo Integrado do Fogo (MIF) são alguns dos temas abordados por especialistas […]