Patrícia Baião
Um dos maiores desafios ambientais do Brasil nos próximos anos será o cumprimento da nova Lei Florestal. É imperativo que a sociedade – governos, ONGs, setor produtivo, academia – firmem um pacto de colaboração e complementação de ações que permita não só a implementação efetiva da referida Lei, mas principalmente uma maior harmonização entre a conservação ambiental e a produção agropecuária em nosso país.
Há um ano foi publicada a lei 12.727/2012, como resultado da conversão da Medida Provisória 571/2012, enviada pelo Palácio do Planalto para complementar os dispositivos da lei 12.561 que, entre outras finalidades, revogou o Código Florestal de 1965. Ainda que a nova legislação contenha dispositivos que implicam em perdas na proteção florestal, o momento atual exige que o foco esteja voltado para a sua plena implantação. É preciso evitar mais danos à vegetação nativa e aos seus serviços ambientais, e conseguir reverter a sensação de impunidade que impera na arena dos crimes ambientais.
Nesse sentido, há diversos desafios a serem enfrentados. Com o intuito de contribuir para o debate público, a Conservação Internacional (CI-Brasil) propõe alguns pontos de debate para promover a proteção e o uso sustentável das florestas contidas nos imóveis rurais do país.
1- Integração de ações: Um primeiro ponto refere-se ao fato de que, embora numa só canetada tenha-se reduzido o volume do passivo ambiental dos imóveis rurais, há ainda pelo menos 21 milhões de hectares a serem recuperados no país (cf. Soares-Filho, 2013). O investimento nessa recuperação é tarefa fundamental para os próximos anos e exigirá ação coordenada e integrada de diferentes segmentos governamentais e privados:
2- Fortalecimento da agenda florestal: Outra oportunidade, convergente com o fortalecimento da política florestal, é o estímulo ao plantio de florestas com fins econômicos. Historicamente, as florestas plantadas no Brasil são formadas por espécies exóticas, como pinus e eucalipto. É preciso ampliar o espectro de atuação do setor, incluindo o plantio de espécies nativas com fins comerciais, em complemento aos esforços de recuperação da vegetação nativa. Embora o consórcio entre exóticas e nativas estivesse previsto na legislação anterior, na prática ele não ocorreu, seja por falta de estímulos de ordem econômica, por deficiência na pesquisa científica, problemas com logística ou políticas públicas inadequadas. Outra oportunidade reside no consórcio entre espécies arbóreas, sejam elas exóticas ou nativas, com outras práticas agropecuárias, otimizando o uso dos solos, ampliando a renda no campo e melhorando a conservação ambiental nas propriedades. Os gargalos precisam ser superados, sendo imprescindível a coordenação de ações, tendo em vista a continentalidade do território nacional e suas particularidades.
3- Cadastramento efetivo: O Cadastro Ambiental Rural (CAR) constitui uma das medidas da nova legislação com potencial de tornar efetivo o controle ambiental sobre o uso das florestas nos imóveis rurais e promover o planejamento de paisagens. Contudo, para isso, há que se promover grande investimento junto aos estados, aos municípios e agentes privados. O cadastramento dos imóveis deve ser visto apenas como o primeiro passo da regularização ambiental, e não o único. As informações no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR) e nos sistemas estaduais devem ser totalmente integradas e públicas, permitindo o acompanhamento da sociedade sobre o uso de um bem comum. Constatando-se que se trata de um novo instrumento, é preciso investir em gestão do conhecimento, identificar lições, corrigir erros e buscar novas abordagens que diminuam os custos e garantam efetividade. Nesse sentido, a CI-Brasil, com o apoio da Climate and Land Use Alliance (CLUA), está implementando o INOVACAR (Iniciativa de Observação, Verificação e Aprendizagem do CAR e da Regularização Ambiental), um projeto que caminha nessa direção.
4- Cotas de reserva ambiental: As áreas de vegetação nativa excedente no imóvel rural podem beneficiar seus proprietários através do mecanismo de servidão ambiental, como as Cotas de Reserva Ambiental (CRAs). A servidão ambiental talvez tenha sido o único benefício da nova legislação dado àqueles que, ao longo dos anos, vêm cumprindo suas obrigações em matéria florestal e, por isso, provendo serviços ambientais. É fundamental que esses mecanismos sejam realmente implantados, considerando em especial a situação da agricultura familiar e seus imóveis. Iniciativas como a da Bolsa Verde do Rio de Janeiro (BVRio) devem ser fortalecidas e mesmo apoiadas pelo poder público.
5- Prevenção e combate ao fogo: A cada ano, o período de junho a setembro registra o maior número de focos de queimadas e incêndios. A nova legislação estabelece um prazo exíguo para que seja elaborada uma política nacional de prevenção e controle dos incêndios e queimadas florestais. Muito mais importante do que estabelecer o prazo, é elaborar essa nova política de forma participativa, envolvendo as diferentes esferas de governo e a sociedade civil, engajando esses atores no compromisso efetivo de sua implantação. Modelos agropecuários alternativos ao uso do fogo já existem e foram testados, mas não são adotados amplamente. A nova política precisa considerar as particularidades dos diversos segmentos do campo, em especial os agricultores familiares.
6- Financiamento: Outro ponto refere-se ao financiamento, tanto para os governos estaduais e municipais, como para os proprietários rurais. Esse tema não foi tratado adequadamente e pode vir a constituir-se como o principal argumento para o estancamento da agenda. Os estados receberam novas atribuições conferidas pela legislação florestal – CAR, Programa de Regularização Ambiental (PRA) etc. – sem que a origem dos recursos para o cumprimento dessas novas responsabilidades tenha sido efetivamente discutida. Debates no Congresso Nacional que reordenaram em parte o pacto federativo, como o ICMS, os recursos do pré-sal, entre outros, ocorreram sem a necessária discussão sobre o tema do financiamento ambiental. Nesse processo, muitas janelas foram fechadas. Enquanto outras não se abrem, uma possibilidade seria discutir o papel das cotas ambientais para que, ao menos entre os agentes privados, os custos da regularização ambiental sejam compensados por mecanismos de mercado. A solução para a conservação e o uso sustentável dos ecossistemas naturais, em suma, passa pelo recrudescimento da agenda ambiental, o que implica elevá-la à prioridade nacional. Nas eleições de 2014, espera-se que a sociedade possa cobrar de seus candidatos reais compromissos com essa agenda. Sem o verdadeiro engajamento dos políticos, nada impedirá que novas investidas contra a legislação florestal ocorram no futuro próximo, comprometendo o desenvolvimento e a capacidade de produção de alimentos de forma sustentável no Brasil.
*Patrícia Baião é Diretora de Relações Institucionais da Conservação Internacional – Brasil
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