27 de março de 2014
Por Daniela Chiaretti, publicado no Jornal Valor Econômico
Só quem passou os últimos anos recluso em um mosteiro tibetano não sabe que no Brasil aconteceu um debate sanguíneo envolvendo quem ama muito a floresta e quem ama muito a produção, embora nenhum dos lados gostasse desta polarização. Depois de muita discussão sobre a importância das matas ciliares (que ladeiam os rios como se fossem cílios e evitam erosão e deslizamentos), e muito Google para decifrar as diferenças entre apicuns e manguezais, o Código Florestal ficou pronto. Passou pela Câmara e Senado, recebeu os vetos presidenciais e virou a Lei n° 12.651. Ninguém ficou contente, mas foi o resultado político possível diante do cipoal de questões técnicas, interesses econômicos, estudos científicos e visões de mundo distintas. Isso foi em maio de 2012. Dois anos depois, as decisões estão sendo implementadas e está todo mundo tocando a vida? Nada. O Cadastro Ambiental Rural, um instrumento que tanto ambientalistas quanto produtores rurais querem que funcione e é considerado a coluna vertebral do Código, não foi lançado até hoje. O atraso trava tudo. É espantoso.
O registro eletrônico que atende pela sigla CAR serve para identificar o proprietário e a área de propriedade rural, mostrar quem tem passivo ambiental e quem está cheio de ativos florestais. O Ministério do Meio Ambiente trabalhou meses neste instrumento. Criou um sistema nacional, o Sicar, que permite a qualquer produtor baixar o aplicativo no computador, preencher as informações sobre o imóvel e seus limites e indicar nas imagens de satélite onde ficam a Reserva Legal e as Áreas de Proteção Permanente. É um processo de declaração de matas (ou da falta delas) muito parecido ao do Imposto de Renda. O arquivo é depois enviado às secretarias estaduais que analisam os dados. Quem desmatou o que não podia terá 20 anos para consertar o estrago. Se em cada palmo da terra há grãos plantados e não há espaço para nenhuma árvore, pode-se compensar a dívida procurando outra propriedade no mesmo Estado e bioma que tenha ativos, e pagar para que as florestas do vizinho sejam mantidas em pé. Tudo lindo, tudo pronto há meses, mas nada funcionando. “O CAR é o eixo condutor do Código. Tudo é baseado em quem fez o cadastro, da liberação de créditos a incentivos econômicos”, diz Roberto Smeraldi, diretor de políticas da Amigos da Terra – Amazônia Brasileira. “Sem ele é impossível implementar o resto da lei” continua. Por quê, então, o troço não decola? “É um atraso político”, diz o ambientalista.
O mistério veio à tona há alguns dias. O Código Florestal precisa de algumas regulamentações e há dois documentos a serem publicados. Um deles é o decreto sobre o Programa de Regularização Ambiental. Está na Casa Civil há meses. Técnicos do Ministério da Agricultura (MAPA) sugeriram um texto para o ponto que versa sobre a conversão de multas para áreas desmatadas antes de 2008. “Suponha que um produtor rural que, antes de 2008, desmatou uma área em sua propriedade. Podia desmatar, mas não tinha autorização”, ilustra João Cruz Reis Filho, chefe da assessoria de gestão estratégica do MAPA. Como se trata de um erro administrativo, a proposta do Ministério é que a multa vire advertência. Para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) multa é multa, advertência é outra coisa, e o tal parágrafo, uma maluquice. A ex-ministra da Casa Civil Gleisi Hoffmann deixou o abacaxi como legado para seu sucessor, Aloizio Mercadante, descascar.
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