21 de março de 2014
* Gerd Sparovek
Nosso laboratório, assim como outros, gera números e mapas relacionados aos temas de produção agrícola e conservação, o que inclui o Código Florestal. Nem sempre os números de fontes diferentes são idênticos, mas isto não se deve a um pesquisador ser melhor ou menos preparado. As divergências podem vir das visões que geram os números. A realidade que tentamos representar de forma condensada é complexa demais para caber em lógica linear simples. Gerar números que relacionam a agropecuária ao respeito da natureza também depende de interpretação conceitual, portanto, pessoal. Vou resumir a essência de nossas visões:
Observando as últimas décadas, vemos um expressivo progresso na forma como a produção agropecuária trata os temas ligados ao meio ambiente e na maneira como conservacionistas entendem a necessidade e os benefícios do Brasil ser uma potência no agronegócio. Definitivamente precisamos de ambos.
Claro que ainda há problemas, mas a seriedade e eficácia com que são tratados vêm melhorando. Indicadores objetivos são a redução do desmatamento, o aumento da produção certificada, a clara visão dos benefícios da legalidade e o desconforto em não cumprir leis. Subjetivamente há muitos outros. Na forma como muitos agricultores tratam a natureza da porteira para dentro onde não se vê de fora, na maneira como se ensina agronomia, nas parcerias de instituições ambientalistas com produtores. Não há como negar progresso e não há indicações fortes de que ele se reverterá.
Quando geramos nossos números, certamente considerando esta visão, concluímos que é perfeitamente possível cumprir a lei. Com dotação de incentivos é possível assumir metas de conservação ainda maiores e mesmo assim produzir o suficiente para atender o mercado e sua crescente demanda. Nossos mapas, tabelas e sua interpretação nos convencem disto.
Esta visão colide com a forma com que as discussões abertas da conservação e da produção geralmente são conduzidas, em especial àquelas ligadas ao Código Florestal. Nelas é posta a necessidade de escolha única, de Sofia: ou produzimos ou conservamos. Ambos não podem progredir lado a lado.
Não acredito que as pessoas que fomentam esta radical discussão sejam mal informadas. O antagonismo, ou um ou outro, serve a um propósito independente: sustentar a discórdia, fomentar a briga. Neste caso, a briga como negócio. A briga desvinculada da sua razão original de ser, ou seja, as divergências da conservação e da produção, que certamente ainda existem, mas negam o enorme espaço comum duramente conquistado.
Se a briga, pelo menos em parte, for um negócio independente, que beneficia alguém diretamente, ela pode também ser analisada desta forma. A partir dos benefícios que ela gera por si, e não pela produção ou conservação.
O agricultor instalado em áreas consolidadas nada ganha diretamente com a briga. Ele precisa de tranquilidade para produzir e da segurança de regras claras que possa seguir. Não há ganho em ser identificado como destruidor da natureza, como se sua atividade necessariamente tivesse que degradar o ambiente. Poucos agricultores expandem suas áreas sobre florestas. A maior parte do crescimento do setor se deve ao aumento de sua produtividade e à substituição de pastagens pouco produtivas por culturas ou sistemas intensivos de produção. A razão para isto não é apenas, ou principalmente, a bondade. Ela é mais simples: a quase totalidade das terras boas para produzir já foram abertas por nosso antepassados, sobrou pouca terra boa com floresta. As matas, seguindo o caminho esperado, ficaram nas terras ruins. Mas a maioria dos agricultores, mesmo não se beneficiando do desmatamento e não tendo plano algum de expandir sua produção desta forma, paga por esta briga. Pela imagem denegrida, pelos custos de sua reparação, pelas leis cada vez mais duras, pelas licenças cada vez mais difíceis, por ao acordar ter que pensar nisto.
Na agropecuária, a única fase em que há benefícios para um discurso expansionista é na fronteira agrícola, que é ocupada por uma minoria. Esta expansão depende de ganhar a briga. Indiretamente, a possibilidade de expansão oferece as terras ainda preservadas e baratas, permitindo assim ganho expressivo no valor imobiliário. A expansão permite uma pecuária extensiva de custo mais baixo, ofertando carne bovina a preço reduzido, a ponto de competir com o frango. Uma espécie de subsídio ambiental. A expansão permite a oferta de carvão vegetal a baixo custo, que alimenta setores industriais que ainda não têm estoques suficientes desta matéria prima.
Nada disto tem a ver com a estratégia que a maior parte do setor agropecuário adota para aumentar a sua produção. Apenas estas atividades são dependentes do resultado da briga para continuarem. Caso o objetivo fosse apenas aumentar a produção, bastaria combinar as compensações e condições para acesso às poucas terras férteis que ainda estão cobertas por matas. O restante, para a produção agrícola moderna e produtiva da qual o Brasil se orgulha, nem interessa. Interessa apenas aos negócios que dependem da briga, que são os negócios da fronteira e não os da produção agropecuária.
Parte da sociedade civil organizada para a conservação pode entender que a polaridade da briga permite uma mensagem mais fácil e direta. Como explicar que no meio de grande progresso ainda é necessário esforço adicional? A mensagem, intencionalmente simplificada e ignorando os avanços de ambas as agendas, pode ficar mais fácil, se a opção for pelo sim ou pelo não, como num referendo. A briga, simplificadora da mensagem e os benefícios desta simplificação – e não a conservação – passam a ser o foco, ou, pelo menos, parte do foco. Nem todos adotam esta estratégia. Muitos expõem posturas mais delicadas, mais difíceis de explicar e pagam o preço da pergunta: afinal, vocês são contra ou a favor?
Os partidos são importantes, mas há questões a serem discutidas fora desta dimensão. Unir pessoas, fazer alianças é algo essencial na democracia. Não apenas no interesse da conservação ou da produção e pode ajudar em outras situações. Como justificar uma aliança, uma bancada ruralista ou ambientalista, se não houver a briga clara e evidente a ser vencida? E uma vez bancada, algo diferente da agenda partidária, um poder paralelo, por que não usá-lo também em outras situações? Novamente a briga se justifica em parte fora dos seus fins.
A mídia está acostumada ao bem contra o mal, sejam quem forem o bem e o mal. Simplifica a mensagem, exige menos, é o que o leitor gosta de ler, o que vende. Novamente a briga e não os seus motivadores podem ser isolados.
A lista poderia continuar, mas me deram seis mil toques, superados há dois parágrafos. Fica para você leitor, que agradeço por me acompanhar neste artigo, completá-la se quiser.
A briga como negócio ajudou a entender o que eu vi, presenciei e participei nas discussões sobre o Código Florestal, até o momento. Mas não vi apenas isto. Também vi pessoas seriamente comprometidas não com a briga como negócio, mas com a ampliação do enorme espaço de conciliação entre a natureza e a produção que é nossa responsabilidade, como sociedade, ampliar cada vez mais. Neste caso, espero que quem ganhe a briga sejam estas pessoas! Quem sabe também, se não houvesse a briga como negócio, os números seriam mais coincidentes.
* Gerd Sparovek é professor da Esalq/USP e em suas pesquisas trabalha com modelos que buscam compreender a dinâmica do uso da terra.
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